O CONCERTO ETERNO
As Promessas de Deus
Prefácio
Capítulo 1 - A Mensagem do Evangelho
Capítulo 2 - O Primeiro Domínio
Capítulo 3 - O Chamado de Abraão 1
Capítulo 4 - O Chamado de Abraão 2
Capítulo 5 - O Chamado de Abraão 3
Prefácio
Com a idade de 27 anos, o jovem médico E. J. Waggoner teve uma
experiência que descreveu mais tarde como o ponto crucial de sua vida.
Enquanto se achava em uma
tenda, escutando a pregação do evangelho em uma reunião campal, repentinamente
começou a brilhar uma grande luz em torno de si, e a tenda parecia iluminar-se
como se o sol estivesse ali dentro. Ele mesmo descreveu assim ocorrido:
“Vi a Cristo crucificado por
mim, e pela primeira vez em minha vida me veio o pensamento, semelhante a uma
corrente transbordante, que Deus me amava, e que Cristo Se deu pessoalmente por
mim. Tudo foi por mim”. A luz que aquele dia brilhou sobre ele, vinda da cruz
de Cristo, se converteu no guia de todo o seu estudo da Bíblia. Decidiu dedicar
o resto de sua vida a descobrir a mensagem do amor de Deus ao pecador
individual, tal como a Escritura o expõe, e a esclarecer esta mensagem a
outros.
Após cerca de vinte anos de
estudo, Waggoner escreveu: “Tenho visto a Cristo sendo apresentado como o poder
de Deus para a salvação das pessoas, e isto é tudo o que tenho encontrado. A
Bíblia não foi escrita com outro propósito senão o de mostrar o caminho da
vida. Contém história e biografia, mas são partes da mensagem do evangelho. Nem
sequer uma linha foi escrita que não fosse para revelar a Cristo; aquele que a
lê com um propósito que não seja encontrar nela o caminho para a salvação do
pecado, a lê em vão. Quando estudada à luz do Calvário, é uma delícia, e
assuntos que de outra maneira seriam obscuros, se tornam claros como o
meio-dia...
Um assunto aparece em toda a
Bíblia: o eterno concerto de Deus. Ao pé da cruz, uma pessoa pode ver a obra do
eterno propósito de Deus, que Ele propôs ‘em
Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos (II Timóteo 1:9). É
apresentada a história panorâmica desde o Éden perdido até o Éden restaurado”.
‘O Concerto Eterno: As
promessas de Deus’ é o resultado de anos de estudo de Waggoner sobre o
assunto do concerto. Foi apresentado primeiramente como um embrião, na forma de
artigos semanais em uma revista religiosa, e mais tarde foi desenvolvido em
algumas conferências dadas a uma assembleia ministerial, no Outono de 1888. Na
primavera de 1890 ocorreram encontros ministeriais para tratar especificamente
do assunto dos concertos, o que levou Waggoner a escrever o manuscrito que foi
o precursor deste livro.
Pouco tempo depois de chegar
na Inglaterra, na primavera de 1892, enquanto desenvolvia sua actividade como
evangelista, pastor, editor e publicador, Waggoner se dedicou ainda mais ao
estudo e escrita de ‘O Concerto Eterno’. O terminou em Maio de 1896, mas
devido à falta de recursos para publicá-lo em formato de livro, Waggoner o foi
oferecendo como artigos semanais na revista inglesa Present Truth (A
Verdade Presente).
Um século depois, volta a
estar disponível em forma de livro, formado pelos artigos que foi publicando
semanalmente durante um ano. Se Waggoner estivesse vivo hoje, sem dúvida
voltaria a repetir suas palavras:
“A páginas a seguir têm por objetivo
ajudar a todos aqueles que desejam estudar os mandamentos e promessas da Bíblia
em seu verdadeiro contexto. O autor seria o último a pensar que este livro
tenha a última e decisiva palavra sobre o assunto principal, ou sobre qualquer
uma de suas partes. Isto jamais pode ocorrer neste mundo. O relato do amor de
Deus é inesgotável: é tão infinito como o próprio Deus.
Estas páginas têm por objectivo
levar a um estudo mais profundo do assunto, mas isto não significa que eu tenha
dúvidas quanto à veracidade do que apresento aqui. Longe disto. O estudo
posterior a respeito do assunto não poderá invalidar os princípios
estabelecidos aqui, mas é certo que aprofundará seguindo esta mesma linha de
raciocínio. Não escrevo isto com espírito de pompa ou orgulho, mas porque sei
em quem tenho crido, e tenho confiança em meu Mestre.
Não há nada de original, nem sequer procuro alguma originalidade: somente copio algumas poucas riquezas do carácter de Cristo. Se o leitor obtiver a metade da bênção que obteve quem o escreveu, terá valido a pena”.
CAPITULO
1
A
mensagem do evangelho
The Present Truth, 7 de maio de 1896
Os humildes pastores que
cuidavam dos seus rebanhos durante a noite nas planícies de Belém, ficaram
assustados pelo repentino resplendor da glória do Senhor que os envolvia. Os
seus temores desapareceram pela voz do anjo, que lhes disse: "Não temais,
porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo:
Pois, na cidade de David, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o
Senhor" (Lucas 2:10 e 11).
A palavra "novas"
vem do grego, e em outras passagens é traduzida como "evangelho";
portanto nós poderíamos ler assim a mensagem do anjo: ‘Eis aqui vos trago o
evangelho de grande alegria, que será para todo o povo’. Portanto, podemos
aprender várias coisas importantes com este anúncio feito aos pastores.
1. Que o evangelho é uma
mensagem que traz alegria. "O reino de Deus... é... justiça, e paz e
alegria no Espírito Santo" (Romanos 14:17). Cristo foi ungido com
"óleo de alegria" (Hebreus 1:9), e Ele proporciona "óleo de gozo
em vez de tristeza, vestes de louvor em vez de espírito angustiado"
(Isaías 61:3).
2. É uma mensagem de
salvação do pecado. O mesmo anjo tinha anunciado antes a José o nascimento
deste menino, e lhe indicou: "Chamarás o Seu nome Jesus; porque Ele
salvará o Seu povo dos seus pecados" (Mateus 1:21).
3. Se trata de algo que afecta
a cada ser humano: "que será para todo o povo". "Porque Deus
amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigénito, para que todo aquele
que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3:16).
Isto é uma garantia
suficiente para todos, mas querendo enfatizar o fato de que os pobres têm no
evangelho os mesmos direitos que os ricos, o primeiro anúncio do nascimento de
Cristo foi feito a homens que andavam pelos recantos mais humildes da vida. Não
foi aos principais sacerdotes nem aos escribas, nem tampouco aos nobres, mas a
pastores de ovelhas a quem foram dadas as alegres novas. Assim, o evangelho não
está fora do alcance de quem não recebeu uma educação formal. O próprio Cristo
nasceu e cresceu em meio da maior pobreza; Ele pregou o evangelho aos pobres, e
"a grande multidão O ouvia de boa vontade" (Marcos 12:37). Visto que
o apresentou desta forma às pessoas comuns, que constituem a maioria da
população do mundo, não há dúvida alguma de que se trata de uma mensagem
mundial em seu alcance.
"O Desejado de todas as nações"
Mas embora o evangelho seja
primeiramente para os pobres, não é algo miserável ou que não possua nobreza.
Cristo Se fez pobre a fim de que pudéssemos enriquecer (II Coríntios 8:9). O
grande apóstolo que foi escolhido para dar a mensagem a reis e aos grandes
homens da terra, desejando muito visitar a capital do mundo, disse: "Não
me envergonho do evangelho de Cristo, porque é o poder de Deus para salvação de
todo aquele que crê" (Romanos 1:16). O poder é aquilo que todo mundo
procura. Alguns o buscam através da riqueza, outros pela política, outros
através da cultura, e outros de outras formas; mas em toda actividade realizada
pelo homem, o objectivo é o mesmo: adquirir poder de qualquer maneira. Há uma
inquietação no coração de cada homem, um desejo insatisfeito posto ali pelo
próprio Deus. A louca ambição que leva alguns a oprimir a seus semelhantes, a
incessante procura de riqueza e a implacável busca de prazer em que tantos se
afundam não são mais que esforços vãos por satisfazer este desejo.
Não é que Deus tenha posto
no coração humano o desejo de alguma destas coisas ruins; a busca delas é uma
perversão do desejo que Ele implantou no interior do homem. Deus deseja que o
homem tenha o poder de Deus; mas nenhuma das coisas que o homem procura
normalmente traz o poder de Deus. Os homens imaginam um limite ou quantidade de
riqueza que desejam possuir, porque pensam que uma vez alcançada esta meta ficarão
satisfeitos; mas se eles obtêm o esperado, ficam tão insatisfeitos como sempre;
e assim continuam procurando a satisfação através do acumulo de riqueza, não se
dando conta de que o desejo do coração jamais pode ser satisfeito desta
maneira.
Aquele que implantou o
desejo é o único que pode satisfazê-lo. Deus Se manifesta em Cristo, e Cristo é
verdadeiramente "o Desejado de todas as nações" (Ageu 2:7, Almeida
Revista e Corrigida), embora tão poucos reconheçam que só nEle se acha o
perfeito repouso e satisfação. A tudo mortal insatisfeito se faz o convite,
"Provai, e vede que o Senhor é bom; bem-aventurado o homem que nEle
confia. Temei ao Senhor, vós, os Seu santos, pois nada falta aos que O
temem" (Salmo 34:8 e 9). "Quão preciosa é, ó Deus, a Tua benignidade,
pelo que os filhos dos homens se abrigam à sombra das Tuas asas. Eles se
fartarão gordura da Tua casa, e os farás beber da corrente das Tuas
delícias" (Salmo 36: 7 e 8).
Poder é o que os homens
desejam neste mundo, e poder é o que o Senhor deseja que tenham. Mas o tipo de
poder que eles procuram significaria a sua ruína, enquanto que o poder que Ele
deseja lhes dar é poder que irá salvá-los. O evangelho traz este poder a cada
ser humano, e não se trata de nada inferior ao poder de Deus. É para todos os que
o aceitam. Vamos estudar brevemente a natureza deste poder, já que uma vez o
tenhamos descoberto, teremos perante nós a plenitude do evangelho.
O poder do evangelho
Na visão que o discípulo
amado teve do tempo que iria anteceder imediatamente o retorno do Senhor, a
mensagem do evangelho que prepara aos homens para este evento é descrita assim:
"E vi outro anjo voar
pelo meio do céu, e tinha o evangelho eterno, para o proclamar aos que habitam
sobre a terra, e a toda a nação, e tribo, e língua, e povo, dizendo com grande
voz: Temei a Deus, e dai-Lhe glória; porque é vinda a hora do Seu juízo. E
adorai Aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas"
(Apocalipse 14:6 e 7).
Aqui temos claramente
perante nós o fato de que a pregação do evangelho consiste em pregar a Deus
como a Criador de todas as coisas, e em chamar os homens a que O adorem como
tal. Isto corresponde ao que lemos na epístola aos romanos: que o evangelho
"é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê". Aprendemos
algo mais a respeito da natureza do poder de Deus quando o apóstolo, se
referindo aos pagãos, diz: "O que de
Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as
Suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o Seu eterno poder,
como a Sua divindade" (Romanos 1:19 e 20). Ou seja, desde a criação
do mundo, os homens foram capacitados para ver o poder de Deus, se é que
empregam os seus sentidos, já que Ele pode ser reconhecido claramente nas
coisas que criou.
A criação mostra o poder de
Deus. Assim, o poder de Deus é um poder criador. E visto que o evangelho é o
poder de Deus para a salvação, fica demonstrado que o evangelho é a
manifestação do poder criador para salvar ao homem do pecado. Mas vimos que o
evangelho são as boas novas da salvação em Cristo. O evangelho consiste na
pregação de Cristo, e Cristo crucificado. Disse o apóstolo: "Porque Cristo enviou-me, não para baptizar, mas
para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se
não faça vã. Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para
nós, que somos salvos, é o poder de Deus " (I Coríntios 1:17 e 18).
E também: "Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é
escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Mas para os que são
chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e
sabedoria de Deus" (I Coríntios 1:23 e 24). É por isso que o
apóstolo disse: " E eu, irmãos, quando
fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não fui com sublimidade
de palavras ou de sabedoria. Porque nada me propus saber entre vós, senão a
Jesus Cristo, e Este crucificado" (I Coríntios 2:1 e 2).
A pregação de Cristo, e de
Cristo crucificado, é a pregação do poder de Deus; portanto, é a pregação do
evangelho, já que o evangelho é o poder de Deus. E isto está em perfeita
harmonia com a conclusão de que a pregação do evangelho consiste em apresentar
a Deus como a Criador, visto que o poder de Deus é um poder criador, e Cristo é
Aquele por quem foram criadas todas as coisas. Ninguém pode pregar a Cristo, se
não o apresentar como o Criador. Todos devem honrar ao Filho da mesma forma em
que honram ao Pai. Toda pregação que subestime a importância do fato de que
Cristo é o Criador de todas as coisas, não é a pregação do evangelho.
Criação e redenção
"No princípio era o
Verbo, o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... Todas as coisas foram
feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez... E o Verbo Se fez
carne, e habitou entre nós... cheio de graça e de verdade" (João 1:1-14).
"n’Ele foram criadas todas as coisas
que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam
dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por Ele e para
Ele. E Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por Ele"
(Colossenses 1:16 e 17).
Prestemos mais atenção ao
último texto, e vejamos como se acham em Cristo tanto a criação como a
redenção. Nos versículos 13 e 14 lemos que Deus "nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do
Filho do Seu amor; em quem temos a redenção pelo Seu sangue, a saber, a
remissão dos pecados". E depois de um parêntese onde a identidade
de Cristo é destacada, o apóstolo nos diz de que forma temos a redenção pelo
Seu sangue. Esta é a razão: "porque n’Ele
foram criadas todas as coisas... E Ele é antes de todas as coisas, e todas as
coisas subsistem por Ele".
Portanto, a pregação do
evangelho eterno é a pregação de Cristo, o poder criador de Deus, o único
através de quem recebemos a salvação. E o poder com que Cristo salva aos homens
do pecado é o poder pelo qual criou os mundos. Temos a redenção por meio do Seu
sangue; a pregação da cruz é a pregação do poder de Deus; e o poder de Deus é o
poder que cria; portanto, a cruz de Cristo leva nela mesma o poder criador.
Este poder é suficiente para todos. Não é surpreendente que o apóstolo
exclamasse: "Longe esteja de mim
gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo"
(Gálatas 6:14).
O mistério de Deus
Para alguns pode ser uma ideia
nova o fato de que a criação e a redenção representam o mesmo poder; na
verdade, isto é um mistério para todos é, sempre será. O próprio evangelho é um
mistério. O apóstolo Paulo desejava as orações dos irmãos, a fim de que fosse
dada palavra "para fazer notório o
mistério do evangelho" (Efésios 6:19). Em outra passagem ele afirma
que tinha sido ordenado ministro do evangelho, segundo o dom da graça de Deus
que lhe foi dado pela eficaz obra do poder divino, a fim de que pudesse "anunciar entre os gentios, por meio do evangelho,
as riquezas incompreensíveis de Cristo, e demonstrar a todos qual seja a
dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo
criou por meio de Jesus Cristo" (Efésios 3:8 e 9). Vemos aqui mais
uma vez o mistério do evangelho como sendo o mistério da criação.
Este mistério se tornou
conhecido pelo apóstolo através de uma revelação. Em sua epístola aos gálatas
vemos como isto aconteceu: "Faço-vos
saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os
homens. Porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas pela revelação de
Jesus Cristo". Ele nos dá ainda mais informações em suas palavras:
"Quando aprouve a Deus, que desde o
ventre de minha mãe me separou, e me chamou pela Sua graça, revelar Seu Filho
em mim, para que O pregasse entre os gentios, não consultei a carne nem o
sangue" (Gálatas 1:11, 12, 15 e 16).
Resumimos os últimos pontos:
1. O evangelho é um mistério. 2. É um mistério que se tornou conhecido pela
revelação de Jesus Cristo. 3. Não foi simplesmente que Jesus Cristo Se revelou
a Paulo, mas que lhe deu a conhecer o mistério através da revelação de Jesus
Cristo nele. Paulo teve que conhecer o evangelho antes de poder pregá-lo a
outros; e a única forma em que pôde conhecê-lo foi através da revelação de
Jesus Cristo nele. A conclusão, portanto, é que o evangelho é a revelação de
Jesus Cristo nos homens.
O apóstolo expressou esta
conclusão claramente em outra passagem lugar, ao afirmar que foi feito ministro
"segundo a dispensação de Deus, que me
foi concedida para convosco, para cumprir a palavra de Deus; o mistério que
esteve oculto desde todos os séculos, e em todas as gerações, e que agora foi
manifesto aos Seus santos; aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as
riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós,
esperança da glória" (Colossenses 1:25-27).
Assim, temos plena certeza
de que o evangelho consiste em se dar a conhecer Cristo nos homens. Ou mais exactamente,
o evangelho é Cristo nos homens, e a pregação do mesmo consiste em fazer com
que os homens homens saibam que é possível que Cristo more neles. Isto concorda
com a indicação do anjo a respeito de que o nome de Jesus deveria ser Emanuel,
"que traduzido é: Deus connosco" (Mateus 1:23); e concorda também com
o momento em que o apóstolo afirma que o mistério de Deus é Deus manifestado em
carne (I Timóteo 3:16).
Quando o anjo tornou
conhecido aos pastores o nascimento de Jesus, consistiu no anúncio de que Deus
tinha vindo aos homens em carne; e quando o anjo disse que estas seriam boas
novas para todos, estava se referindo à revelação de que o fato de Deus estar
morando em carne humana deveria ser proclamado a cada ser humano, e este mesmo
fato iria repetir-se em todos os que cressem n’Ele.
Vamos fazer um breve resumo
do que aprendemos até aqui:
1. O evangelho é o poder de
Deus para a salvação. A salvação vem somente pelo poder de Deus, e ali onde há
o poder de Deus, há salvação.
2. Cristo é o poder de Deus.
3. Mas a salvação de Cristo
vem através da cruz; portanto, a cruz de Cristo é o poder de Deus.
4. Assim, a pregação de
Cristo e Cristo crucificado é a pregação do evangelho.
5. O poder de Deus é o poder
que cria todas as coisas. Portanto a pregação de Cristo e Ele crucificado, como
o poder de Deus, é a pregação do poder criador de Deus posto em acção para a
salvação do homem.
6. Isso é assim, visto que
Cristo é o Criador de todas as coisas.
7. Não somente isto, mas n’Ele
foram criadas todas as coisas. Ele é "o primogénito de toda a
criação" (Colossenes 1:15); quando foi "gerado", nos
"tempos antigos", "nos dias da eternidade" (Miquéias 5:2),
todas as coisas foram virtualmente criadas, já que toda criação subsiste n’Ele.
A substância de toda a criação, e o poder pelo qual todas as coisas vieram à
existência, estava em Cristo. Esta é simplesmente uma declaração do mistério
que só a mente de Cristo pode compreender.
8. O mistério do evangelho é
Deus manifestado em carne humana. Cristo na terra é "Deus connosco".
Assim, Cristo morando nos corações dos homens pela fé, é a plenitude de Deus
neles.
9. E isto significa a
energia criadora de Deus operando no homem através de Jesus Cristo, para sua
salvação. "Se algum está em Cristo, nova criatura é" (II Coríntios
5:17). "Somos feitura Sua, criados em Cristo Jesus para as boas
obras" (Efésios 2:10).
O apóstolo expressou tudo
isto quando declarou que pregar as incompreensíveis riquezas de Cristo consiste
em fazer que todos compreendam "qual
seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que
tudo criou" (Efésios 3:8 e 9).
Resumo
No texto que segue abaixo
encontramos enumerados os detalhes deste mistério:
"Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares
celestiais em Cristo; como também nos elegeu n’Ele antes da fundação do mundo,
para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante d’Ele em amor; e nos
predestinou para filhos de adopção por Jesus Cristo, para Si mesmo, segundo o
beneplácito de Sua vontade, para louvor e glória da Sua graça, pela qual nos
fez agradáveis a Si no Amado, em quem temos a redenção pelo Seu sangue, a
remissão das ofensas, segundo as riquezas da Sua graça, que Ele fez abundar
para connosco em toda a sabedoria e prudência; descobrindo-nos o mistério da Sua
vontade, segundo o Seu beneplácito, que propusera em Si mesmo, de tornar a
congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos,
tanto as que estão nos céus como as que estão na terra; n’Ele, digo, em quem
também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito d’Aquele
que faz todas as coisas, segundo o conselho da Sua vontade; com o fim de sermos
para louvor da Sua glória, nós os que primeiro esperamos em Cristo; em quem
também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da
vossa salvação; e, tendo n’Ele também crido, fostes selados com o Espírito
Santo da promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da
possessão adquirida, para louvor da Sua glória. Por isso, ouvindo eu também a
fé que entre vós há no Senhor Jesus, e o vosso amor para com todos os santos,
não cesso de dar graças a Deus por vós, lembrando-me de vós nas minhas orações:
Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu
conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação; tendo iluminados os olhos
do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e
quais as riquezas da glória da Sua herança nos santos; e qual a sobre excelente
grandeza do Seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do
Seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-O dentre os mortos, e
pondo-O à Sua direita nos céus" (Efésios 1:3-20).
Agora iremos destacar
diversos pontos desta declaração.
1. Todas as bênçãos são dadas
a nós em Cristo. "Aquele que nem mesmo
a Seu próprio Filho poupou, antes O entregou por todos nós, como nos não dará
também com Ele todas as coisas?" (Romanos 8:32).
2. Esta dádiva todas as
coisas em Cristo concorda com o fato de que nos escolheu desde a criação do
mundo, a fim de que n’Ele pudéssemos obter santidade. "Deus não nos destinou para a ira, mas para a
aquisição da salvação, por nosso Senhor Jesus Cristo" (I
Tessalonicenses 5:9).
3. Nesta eleição, o destino
escolhido para nós é que fôssemos filhos.
4. De acordo com isso, Ele
nos aceitou no Amado.
5. No Amado temos redenção
pelo Seu sangue.
6. Tudo isto é a forma em
que nos é possível conhecer o mistério: no cumprimento dos tempos reuniria
todas as coisas em Jesus Cristo, tanto as que estão nos céus como as que estão
na terra.
7. Sendo este o firme
propósito de Deus, se deduz que em Cristo já obtivemos uma herança, visto que
Deus faz que todas as coisas se realizem segundo o propósito da Sua vontade.
8. Todos os que crêem em
Cristo são selados com o Espírito Santo, que é chamado de "Espírito Santo
da promessa" por ser a certeza da herança prometida.
9. Este selo do Espírito
Santo é o penhor da nossa herança até a redenção da possessão adquirida. "Não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no
qual estais selados para o dia da redenção" (Efésios 4:30).
10. Os que têm o selo do
Espírito sabem quais são as riquezas da glória da Sua herança. Significa que a
glória da herança futura é sua agora mesmo através do Espírito.
Nisto vemos que o evangelho
contém uma herança. De fato, o mistério de Deus é a possessão da herança, já
que n’Ele recebemos uma herança. Vejamos agora a forma em que Romanos 8 resume
isto. Não iremos citar todo o texto da Escritura, mas somente alguns trechos
dela.
Os que têm o Espírito Santo
da promessa, são filhos de Deus; "Todos os que são guiados pelo Espírito
de Deus, esses são filhos de Deus" (Romanos 8:14). Mas ao ser filhos,
somos necessariamente herdeiros; herdeiros de Deus, visto que somos Seus
filhos. E se formos herdeiros de Deus, somos herdeiros juntamente com Jesus
Cristo. Cristo está desejoso de que saibamos, mais do que qualquer outra coisa,
que o Pai nos ama tanto como ama a Cristo.
Mas do que somos herdeiros
junto com Cristo? De toda a criação, visto que o Pai o "constituiu
herdeiro de tudo" (Hebreus 1:2), e prometeu que "quem vencer, herdará
todas as coisas" (Apocalipse 21:7). Isto é demonstrado pelo seguinte,
segundo o capítulo oito de Romanos: Agora somos filhos de Deus, mas ainda não
parecemos possuir a glória que é própria de um filho de Deus. Cristo foi o
Filho de Deus, entretanto o mundo não O reconheceu como tal, "por isso o
mundo não nos conhece; porque não O conhece a Ele" (I João 3:1). Ao
possuir o Espírito, possuímos "as riquezas da glória da Sua herança",
e esta glória será revelada em nós no seu devido tempo, em uma medida que irá
ultrapassar em muito a magnitude dos sofrimentos actuais.
"Porque a ardente expectação da criatura [ou
melhor, criação] espera a manifestação dos filhos de Deus. Porque a criação
ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou,
na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da
corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que
toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só
ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós
mesmos, esperando a adopção, a saber, a redenção do nosso corpo".
(Romanos 8:19-23).
O homem se tornou filho de
Deus por criação; mas pelo pecado veio a ser filho da ira, filho de Satanás, a
quem prestou obediência em lugar de a render a Deus. Mediante a graça de Deus
em Cristo aqueles que crêem se tornam filhos de Deus, e recebem o Espírito
Santo. Assim são selados como herdeiros, até a redenção da possessão adquirida
-toda a criação-, a qual espera a sua redenção, quando a glória dos filhos de
Deus for revelada.
Continuaremos com o estudo
do evangelho, dedicando uma atenção especial a respeito do que está incluído na
"possessão adquirida".
CAPITULO 2
O Primeiro Domínio
The
Present Truth, 14 de maio
de 1896
A
PROPRIEDADE ADQUIRIDA
Redimir significa comprar outra vez. O que é que deveria ser
comprado de volta? Evidentemente aquilo que foi perdido, é isto que o Senhor
veio Salvar. E o que foi perdido? O homem. “Porque assim diz o SENHOR: Por nada
fostes vendidos; e sem dinheiro sereis resgatados”. (Isaías 53:3). E o que mais
foi perdido? Necessariamente, tudo o que o homem possuía. Em que consistia?
“Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus,
sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que
rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o
criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos,
multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar,
sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra”. (Génesis.
1:26-28).
O salmista disse do homem: “Fizeste-o, no entanto, por um pouco,
menor do que os anjos e de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio
sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste: ovelhas e bois,
todos, e também os animais do campo; as aves do céu, e os peixes do mar, e tudo
o que percorre as sendas dos mares”. (Salmo. 8:5-8).
Tal era o primeiro domínio do homem, porém não durou muito tempo.
Na epístola aos Hebreus encontramos mencionadas as palavras do salmista:
“Pois não foi a anjos que sujeitou o mundo que há de vir, sobre o
qual estamos falando; antes, alguém, em certo lugar, deu pleno testemunho,
dizendo: Que é o homem, que dele te lembres? Ou o filho do homem, que o
visites? Fizeste-o, por um pouco, menor que os anjos, de glória e de honra o
coroaste e o constituíste sobre as obras das tuas mãos. Todas as coisas
sujeitaste debaixo dos seus pés. Ora, desde que lhe sujeitou todas as coisas,
nada deixou fora do seu domínio. Agora, porém, ainda não vemos todas as coisas
a ele sujeitas; vemos, todavia, aquele que, por um pouco, tendo sido feito
menor que os anjos, Jesus, por causa do sofrimento da morte, foi coroado de
glória e de honra, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todo
homem”. (Hebreus. 2:5-9).
Estas palavras apresentam diante de nós um maravilhoso cenário.
Deus colocou a terra, com tudo o que lhe pertence, debaixo do governo do homem.
No entanto, não é isso que vemos agora. “Agora, porém, ainda não vemos todas as
coisas a ele sujeitas”. Por que não? Porque o homem perdeu tudo ao cair. Porém,
vemos a Jesus, “tendo sido feito menor que os anjos”, isto é, foi feito homem,
a fim de que possa ser restaurada a herança perdida a todo aquele que crer.
Portanto, a herança perdida será restaurada aos redimidos tão certamente como Jesus
morreu e ressuscitou, e tão certamente como serão salvos por sua morte e
ressurreição aqueles que crêem nEle.
Assim indicam as primeiras palavras do texto citado no livro de
Hebreus: “Pois não foi a anjos que sujeitou o mundo que há de vir, sobre o qual
estamos falando”. Ele o sujeitou ao homem? Sim, considerando que o sujeitou ao
homem ao criar a terra, e que Cristo tomou o estado caído do homem a fim de
redimir ambos, o homem e sua propriedade perdida, sendo que veio salvar o que
se havia perdido; e visto que nele ganhamos uma herança, é evidente que em
Cristo sujeitamos o mundo que há de vir, o que corresponde a dizer a terra
renovada, exactamente como foi antes da queda.
As palavras do profeta Isaías mostram igualmente:
“Envergonhar-se-ão e serão confundidos todos eles; cairão, à uma, em ignomínia
os que fabricam ídolos. Israel, porém, será salvo pelo SENHOR com salvação
eterna; não sereis envergonhados, nem confundidos em toda a eternidade. Porque
assim diz o SENHOR, que criou os céus, o Deus que formou a terra, que a fez e a
estabeleceu; que não a criou para ser um caos, mas para ser habitada: Eu sou o
SENHOR, e não há outro. Não falei em segredo, nem em lugar algum de trevas da
terra; não disse à descendência de Jacó: Buscai-me em vão; eu, o SENHOR, falo a
verdade e proclamo o que é direito”. (Isaías 45:16-19).
O SENHOR formou a terra, para que fosse habitada, e sendo que ele
faz todas as coisas segundo o conselho de sua vontade, podemos estar seguros de
que seu plano será levado a bom termo. Entretanto, quando fez a terra, o mar e
todas as coisas que existem neles, e o homem na terra, “Viu Deus tudo quanto
fizera, e eis que era muito bom”. (Génesis 1:31). Sendo que o plano de Deus vai
cumprir-se, torna-se evidente que a terra ainda tem que ser habitada por seres
humanos que sejam inteiramente santos, e isso implicará, quando acontecer, uma
condição perfeita.
Quando Deus fez o homem, o coroou “de glória e de honra”,
dando-lhe domínio sobre “as obras de suas mãos”. Portanto, era rei, e como sua
coroa indica, seu reino era um reino de glória. Porém, por causa do pecado ele
perdeu o reino e a glória, “pois todos pecaram e destituídos estão da glória de
Deus”. (Romanos 3:23).
Jesus desceu então até seu lugar, e por meio da morte, que ele
experimentou por todos resultou “coroado de glória e de honra”. Foi “Jesus
Cristo homem” (I Timóteo 2:5), quem recuperou com ele o domínio perdido pelo
primeiro homem - Adão. Ele fez assim com o objectivo de “levar a muitos filhos
até a glória”. Nele temos obtido uma herança; e sendo que é “Jesus Cristo
homem” quem subiu ao “mesmo céu, para agora comparecer, por nós, perante a face
de Deus”. (Hebreus 9:24), é evidente que o mundo que há de vir, que é a nova
terra – o “primeiro domínio” -, é a porção do homem.
Os seguintes textos o fazem igualmente importante: “Assim também
Cristo, oferecendo-se uma vez, para tirar os pecados de muitos, aparecerá
segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para a salvação”. (Hebreus 9:28).
Quando foi oferecido, levou a maldição a fim de poder quitá-la. “Cristo nos
resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós, porque está escrito:
Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro”. (Gálatas 3:13). Porém,
quando a maldição da lei veio sobre o homem, veio também sobre a terra, visto que
o Senhor disse a Adão: “E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua
mulher e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela,
maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua
vida. Espinhos e cardos também te produzirão; e comerás a erva do campo”. (Génesis
3:17 e 18). Quando Cristo foi traiçoeiramente entregue nas mãos dos homens
pecadores, “tecendo uma coroa de espinhos, puseram-na na cabeça e, em sua mão
direita, uma cana; e, ajoelhando diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve,
Rei dos judeus!” (Mateus 27:29). Assim, pois, quando Cristo levou a maldição do
homem, ao mesmo tempo levou a maldição da terra. Portanto, quando vier salvar
aos que aceitaram seu sacrifício, vem também renovar a terra.
OS
TEMPOS DA RESTAURAÇÃO
Disse o apóstolo Pedro: “E que envie ele o Cristo, que já vos foi
designado, Jesus, ao qual é necessário que o céu receba até aos tempos da
restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca dos seus santos
profetas desde a antiguidade” (Actos 3:20 e 21). E assim, temos as palavras do
próprio Cristo: “E, quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os
santos anjos, com ele, então, se assentará no trono da sua glória; e todas as
nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor
aparta dos bodes as ovelhas. E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à
esquerda. Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de
meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do
mundo” (Mateus 24: 31-34). Isso será a consumação da obra do evangelho.
Volvamos agora às palavras do apóstolo no primeiro capítulo de
Efésios. Lemos ali que em Cristo estamos predestinados a sermos adoptados como
filhos; e tal como vimos em outro lugar, se somos filhos somos herdeiros de
Deus, e co-herdeiros com Jesus Cristo. Portanto, em Cristo temos recebido uma
herança, já que ele conquistou a vitória, e está sentado à direita do Pai,
aguardando o tempo em que seus inimigos sejam postos por estrado de seus pés, e
todas as coisas lhe sejam sujeitas. Isto é tão certo como ele mesmo venceu.
Como dádiva dessa herança que temos nele, nos é dado o Espírito Santo. É da
mesma natureza que a herança, fazendo assim que conheçamos quais sãos as riquezas
da glória desta herança. Dito de outra maneira, a comunhão com o Espírito dá a
conhecer a comunhão do mistério.
O Espírito é o representante de Cristo. Por isso, o Espírito
morando no homem é Cristo no homem, a esperança da glória (Colossenses 1:27). E
Cristo no homem é o poder criador no homem, fazendo dele uma nova criatura. O
Espírito é dado “conforme as riquezas de sua glória”, e essa é a medida do
poder por meio do qual somos fortalecidos. Assim, as riquezas de glória da
herança, dadas a conhecer pelo Espírito, não é outra coisa que o poder por meio
do qual Deus criará de novo todas as coisas mediante Jesus Cristo, como no
princípio, e por meio do qual criará de novo o homem, de forma que se
corresponda com a herança gloriosa. É assim que, ao ser-lhes concedido o
Espírito em sua plenitude, aqueles que o recebem, “provaram a boa palavra de
Deus e os poderes do mundo vindouro”. (Hebreus 6:5)
Portanto, o evangelho não é algo que pertença exclusivamente ao
futuro. É algo presente e pessoal. É o poder de Deus para salvação de todo
aquele que creu, ou que está crendo. Visto que cremos temos o poder, e esse
poder é o poder pelo qual o mundo que há de vir há de ser preparado para nós,
tal como foi no princípio. Logo, ao estudar aa promessa da herança estamos simplesmente
estudando o poder do evangelho para salvar-nos de presente mundo mal.
QUEM
SÃO OS HERDEIROS?
“E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e
herdeiros segundo a promessa”. (Gálatas 3:29).
De quem somos herdeiros, ao ser descendentes de Abraão?
Evidentemente da promessa feita a Abraão. Porém se somos de Cristo, somos
herdeiros com ele, já que os que têm o Espírito são de Cristo (Romanos 8:9), e
os que têm o Espírito são herdeiros de Deus e co-herdeiros juntamente com
Cristo. Assim, ser co-herdeiro com Cristo é ser herdeiro de Abraão.
“Herdeiros segundo a promessa”. Que promessa? A promessa feita a
Abraão, logicamente. Qual foi a promessa? Leiamos a resposta em Romanos 4:13:
“A promessa de que seria herdeiro do mundo, não foi dada a Abraão e a sua
descendência pela lei, e sim mediante a justiça da fé”. Portanto, os que são de
Cristo são herdeiros do mundo. Podemos comprovar já previamente a partir de
muitos textos, porém agora o vemos em definida relação com a promessa feita a
Abraão.
Temos considerado também que a herança há de ser outorgada na
vinda do Senhor, já que é ao vir em sua glória quando dirá aos justos: “Vinde,
benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a
fundação do mundo” (Mateus 25:34). O mundo foi criado para ser a habitação do
homem, e foi dado a ele. No entanto, esse domínio foi perdido. É certo que o
homem vive hoje na terra, porém não está gozando da herança que Deus lhe deu
originalmente. Esta consistia na possessão de uma criação perfeita, por parte
de seres perfeitos. Entretanto hoje, nem sequer a possui, visto que “Geração
vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre” (Eclesiastes 1:4).
Enquanto que a terra permanece para sempre, “como a sombra são os nossos dias
sobre a terra, e não temos permanência”. (I Crónicas 29:15).
Ninguém possui de fato nada neste mundo. Os homens lutam e se
esforçam para adquirir riqueza, e então “deixam a outros as suas riquezas”.
(Salmo 49:10). Porém Deus fez todas suas obras segundo o conselho de sua
vontade; nem um só de seus propósitos deixará de cumprir-se; e assim, tão certo
como o homem pecou e perdeu sua herança, foi prometida a ele a restauração por
meio de Cristo, nestas palavras: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre o
teu descendente e o seu descendente, este te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o
calcanhar”. (Génesis 3:15). Nessas palavras foram preditas a destruição de
Satanás e toda sua obra. Foi predita a “tão grande salvação” que havia sido
“anunciada primeiramente pelo Senhor” (Hebreus 2:3). Desta forma, “o primeiro
domínio” (Miquéias 4:8), “O reino, e o domínio, e a majestade dos reinos
debaixo de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo; o seu reino
será reino eterno, e todos os domínios o servirão e lhe obedecerão”. (Daniel
7:27). Esta será uma possessão real, visto que será nova.
A
PROMESSA DE SUA VINDA
Porém, tudo o que é anterior será consumado quando o Senhor vier
em sua glória, a quem “é necessário que o céu receba até aos tempos da
restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca dos seus santos
profetas desde a antiguidade”. (Actos 3:21). Portanto, a vinda do Senhor para
restaurar todas as coisas, tem sido a grande esperança posta diante da igreja
desde a mesma queda do homem. Os fiéis têm esperado sempre esse evento, e ainda
que o tempo pareça prolongar-se, e a maioria do povo duvide da promessa, ela é
tão segura como a palavra do Senhor. A seguinte porção da Escritura descreve
vividamente a promessa, as dúvidas dos incrédulos, e a certeza do cumprimento
da promessa:
“Amados, esta é, agora, a segunda epístola que vos escrevo;
em ambas, procuro despertar com lembranças a vossa mente esclarecida, para que
vos recordeis das palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos
profetas, bem como do mandamento do Senhor e Salvador, ensinado pelos vossos
apóstolos, tendo em conta, antes de tudo, que, nos últimos dias, virão
escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo as próprias paixões e
dizendo: Onde está a promessa da sua vinda? Porque, desde que os pais dormiram,
todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação. Porque,
deliberadamente, esquecem que, de longo tempo, houve céus bem como terra, a
qual surgiu da água e através da água pela palavra de Deus, pela qual veio a
perecer o mundo daquele tempo, afogado em água. Ora, os céus que agora existem
e a terra, pela mesma palavra, têm sido entesourados para fogo, estando
reservados para o Dia do Juízo e destruição dos homens ímpios. Há, todavia, uma
coisa, amados, que não deveis esquecer: que, para o Senhor, um dia é como mil
anos, e mil anos, como um dia. Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns
a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo
que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento. Virá, entretanto,
como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso
estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que
nela existem serão atingidas. Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas,
deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, esperando e
apressando a vinda do Dia de Deus, por causa do qual os céus, incendiados,
serão desfeitos, e os elementos abrasados se derreterão. Nós, porém, segundo a
sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (II
Pedro 3:1-13).
Leiamos agora novamente a passagem, e observemos os seguintes
pontos: Os que se esquivam da promessa do retorno do Senhor o fazem ignorando
voluntariamente alguns dos eventos mais importantes e mais claramente expostos
na Bíblia, como são a criação e o dilúvio. A palavra do Senhor criou os céus e
a terra no princípio. “Pela palavra do SENHOR foram feitos os céus; e todo o
exército deles, pelo espírito da sua boca” (Salmo 33:6). Pela mesma palavra a
terra ficou coberta pela água, de modo que a água que a terra armazenava
contribuiu para sua destruição. Foi destruída pela água. A terra, tal como hoje
a conhecemos, conserva apenas uma pálida semelhança com a que foi antes do
dilúvio. A mesma palavra que criou e destruiu a terra, é a que a sustém hoje,
até o tempo da destruição dos homens ímpios, quando se converter em um lago de
fogo em lugar de um lago de água. “Porém, segundo a sua promessa, esperamos
novos céus e nova terra, em que habita a justiça”. A mesma palavra é a que
realiza todas estas coisas.
O
GRANDE CLÍMAX
Assim, fica evidente que a vinda do Senhor é o grande evento que
têm assinalado todas as coisas, desde a própria queda. “A promessa de sua
vinda” é a mesma promessa de um novo céu e uma nova terra. Esta foi a promessa
feita aos “pais”. Os que se desviam dela não podem negar que a Bíblia contem
essa promessa, porém, posto que não tem ocorrido nenhuma mudança aparente desde
que os pais dormiram, pensam que não há possibilidade alguma de que se realize.
Ignoram o fato de que as coisas têm mudado muito desde o princípio da criação;
e têm se esquecido que a palavra do Senhor permanece para sempre. “O Senhor não
demora em cumprir a sua promessa”. Observa-se que está no singular, não fala de
promessas, mas sim de promessa. É um fato que Deus não esquece nenhuma de suas
promessas, porém o apóstolo Pedro está se referindo aqui a uma promessa
definida, que é a segunda vinda do Senhor e a restauração da terra. Tratar-se-á
de uma “nova terra”, visto que será restaurada à condição em que estava quando
foi criada no princípio.
Embora tenha passado muito tempo – segundo o homem vê as coisas –
desde que se fez a promessa, “o Senhor não demora em cumprir sua promessa”,
visto que ele possui todo o tempo. Mil anos para ele são como um dia. Portanto,
têm-se transcorrido quase uma semana desde que se fez a promessa pela primeira
vez, no tempo da queda. Só tem passado a metade de uma semana desde que “os
pais dormiram”. O passar de uns poucos mil anos em nada tem diminuído a
promessa de Deus. É tão certa como quando foi feita pela primeira vez. Deus não
a tem esquecido. O único motivo porque se tem estendido tanto é porque “ele é
longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos
cheguem ao arrependimento”. Portanto, “e tende por salvação a longanimidade de
nosso Senhor” (Pedro 3:15), e deveria ser objecto de gratidão pelo grande favor
outorgado, em lugar de considerar sua misericordiosa demora como evidência de
falta de fidelidade de sua parte.
Não se deve esquecer que, se mil anos são como um dia para o
Senhor, também um dia é para ele como mil anos. O que significa isso?
Simplesmente, que o Senhor pode esperar um tempo prolongado – na compreensão do
homem –, antes de levar a cabo seus planos, isso nunca deveria tomar-se como
evidência de que em qualquer momento do processo, uma quantidade determinada de
trabalho irá precisar necessariamente da mesma quantidade de tempo que tomou no
passado. Para o Senhor é tão conveniente um dia como mil anos, se é que sua
vontade decidiu que a obra de mil anos se realize em um dia. E isso certamente
vai acontecer, “Porque o Senhor executará a sua palavra sobre a terra,
completando-a e abreviando-a”. (Romanos 9:28). Um dia será suficiente para a
obra de mil anos. No dia de Pentecostes no foi senão uma amostra do poder com o
qual o evangelho há de avançar no futuro.
Fez-se conveniente fazer um resumo do que realmente representa o
evangelho do reino, e nos referir a promessa feita aos pais como fundamento de
nossa fé, passaremos a estudar mais detidamente a promessa, começando com
Abraão, de quem devemos ser filhos, se é que somos co-herdeiros com Cristo.
CAPITULO 3
O Chamado de
Abraão
The Present Truth, 21 de Maio de 1896
A PROMESSA FEITA A ABRAÃO
Ao estudar esta promessa devemos ter sempre presentes duas porções
da Escritura. A primeira são as palavras de Jesus: “Examinais as Escrituras,
porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de
mim”. “Porque, se, de fato, crêsseis em Moisés, também creríeis em mim;
porquanto ele escreveu a meu respeito. Se, porém, não credes nos seus escritos,
como crereis nas minhas palavras?” (João 5:39, 46 e 47).
As únicas Escrituras existentes nos dias de Cristo eram os livros
que hoje conhecemos como Antigo Testamento. Pois bem: dão testemunho dEle. Não
foram escritas com um propósito diferente deste. O Apóstolo Paulo afirmou que
elas são capazes de fazer o homem sábio para a salvação, pela fé em Cristo (II
Timóteo 3:15); e entre esses escritos, o Senhor assinalou especialmente os
livros de Moisés como revelando a Ele. Aquele que lê os escritos de Moisés, e
todo o Antigo Testamento, com qualquer outra expectativa diferente de encontrar
a Cristo, e por meio dEle o caminho da vida, os lêem em vão e fracassará
totalmente em compreendê-los.
O outro texto é II Coríntios 1:19 e 20: “Porque o Filho de Deus,
Jesus Cristo, que entre vós foi pregado por nós, isto é, por mim, e Silvano, e
Timóteo, não foi sim e não; mas nele houve sim. Porque todas quantas promessas
há de Deus são nele sim; e por ele o Amem, para glória de Deus, por nós”. Deus
não tem feito nenhuma promessa ao homem, que não seja por meio de Cristo. A fé
pessoal em Cristo é necessária a fim de receber qualquer coisa que Deus haja
prometido. Deus não faz acepção de pessoas. Oferece gratuitamente suas riquezas
a qualquer pessoa; porém ninguém pode ter parte alguma nelas sem aceitar a
Cristo. Isso é perfeitamente justo, visto que Cristo é dado a Todos, se é que O
querem ter.
Tendo em vista esses princípios, lemos o primeiro relato da
promessa de Deus a Abraão: “Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da
tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti
farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma
bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem;
em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Génesis 12:1-3).
Podemos ver pelo mesmo princípio que esta promessa feita a Abraão
era uma promessa em Cristo. O apóstolo Paulo escreveu: “Ora, tendo a Escritura
previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a
Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos. De modo que os da fé são
abençoados com o crente Abraão”. (Gálatas 3:8 e 9). Isso nos mostra que quando
Deus disse que em Abraão seriam benditas todas as famílias da terra, lhe estava
pregando o evangelho. A bênção que haveria de chegar a todo ser humano na terra
por meio dele, chegaria somente a aqueles que tivessem fé.
ABRAÃO E A CRUZ
A pregação do Evangelho é a pregação da cruz de Cristo. Assim, o
apóstolo Paulo afirmou que havia sido enviado para pregar o evangelho, porém
não em sabedoria de palavras, para que não se anulasse a cruz de Cristo.
Adicionou que a pregação da cruz é o poder de Deus para os que se salvam (I
Coríntios 1:17 e 18). E isso não é mais que outra forma de dizer que se trata
do evangelho, já que o evangelho é o poder de Deus para salvação (Romanos
1:16). Portanto, visto que a pregação do evangelho é a pregação da cruz de
Cristo (e não existe salvação por nenhum outro meio), e sendo que Deus pregou o
evangelho a Abraão quando lhe disse: “Em ti serão benditas todas as famílias da
terra”, é evidente que nessa promessa tornou conhecido a Abraão a cruz de
Cristo, e que somente por meio da cruz a promessa poderia ser cumprida.
No terceiro capítulo de Gálatas isso se torna totalmente claro. Na
continuação da afirmação que a promessa da bênção é para todas as nações da
terra mediante Abraão, e que os que são da fé são benditos com o crente Abraão,
o apóstolo continua assim: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se
ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele
que for pendurado em madeiro), para que a bênção de Abraão chegasse aos
gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito
prometido”. (Gálatas 3:13 e 14). Aqui se afirma de forma mais clara que a bênção
de Abrão, que haveria de vir a todas as famílias da terra, seria feita
exclusivamente mediante a cruz de Cristo.
Esse é um ponto que deve ficar bem fixado na mente desde o início.
Toda a confusão relativa às promessas de Deus a Abraão e à sua semente, provém
de não reconhecer nelas o evangelho da cruz de Cristo. Se recordarem
continuamente que todas as promessas de Deus são em Cristo, que só por meio de
sua cruz são alcançadas, e que por consequência são de natureza espiritual e
eterna, não haveria dificuldade, e o estudo da promessa aos pais seria uma
delícia e uma bênção.
Lemos que Abraão, obedecendo ao chamado do Senhor, saiu da casa de
seu pai e de sua terra natal. “Levou Abrão consigo a Sarai, sua mulher, e a Ló,
filho de seu irmão, e todos os bens que haviam adquirido, e as pessoas que lhes
acresceram em Harã. Partiram para a terra de Canaã; e lá chegaram. Atravessou
Abrão a terra até Siquém, até ao carvalho de Moré. Nesse tempo os cananeus
habitavam essa terra. Apareceu o SENHOR a Abrão e lhe disse: Darei à tua
descendência esta terra. Ali edificou Abrão um altar ao SENHOR, que lhe
aparecera. Passando dali para o monte ao oriente de Betel, armou a sua tenda,
ficando Betel ao ocidente e Ai ao oriente; ali edificou um altar ao SENHOR e
invocou o nome do SENHOR”. (Génesis 12:5-8).
É extremamente necessário que entendamos desde o início que o
significado real das promessas de Deus, e seu trato com Abraão. Isto tornará
mais fácil nossa leitura subsequente, visto que consistirá na aplicação desses
princípios. Nesta última passagem da Escritura se introduzem uns poucos
assuntos que ocupam um lugar muito importante neste estudo, e vamos destacá-los
aqui.
Em primeiro lugar:A SEMENTE
O Senhor Disse a Abraão, depois que chegou à terra de Canaã: “À
tua descendência darei esta terra”. Se nos apegássemos às Escrituras não
teríamos dificuldade alguma em saber quem é a semente: “Ora, as promessas foram
feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se
falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo”
(Gálatas 3:16). Isso deveria retirar para sempre toda dúvida a esse respeito. A
semente de Abraão, a quem foi feita a promessa, é Cristo. Ele é o herdeiro.
Pois nós também podemos ser co-herdeiros com Cristo. “Porque todos
quantos fostes baptizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Nisto, não pode
haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque
todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois
descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa”. (Gálatas 3:27-29).
Os que têm sido baptizados em Cristo estão revestidos d’Ele,
portanto estão incluídos n’Ele. Assim, ao dizer que Cristo é a semente de
Abraão, a quem as promessas foram feitas, são incluídos todos os que estão em Cristo.
Porém a promessa não inclui nada que esteja fora de Cristo. Pretender que a
herança prometida à semente de Abraão possa ser possuída por qualquer um, excepto
pelos que são de Cristo – mediante a fé n’Ele - , é ignorar o evangelho e negar
a palavra de Deus. “Se alguém está em Cristo, é nova criatura” (II Coríntios
5:17).
Portanto, visto que a promessa da possessão da terra foi feita a
Abraão e a sua semente, que é Cristo e todos os que estão n’Ele por meio do baptismo,
e que portanto, são novas criaturas, conclui-se que a promessa da terra se
referia somente a quem foram feitas novas criaturas em Cristo, - filhos de Deus
pela fé em Cristo. Isso é uma evidência adicional de que todas as promessas de
Deus são feitas em Cristo, e de que as promessas feitas a Abraão podem ser
obtidas somente através da cruz de Cristo. Não esqueçamos, pois, esse princípio
nem por um momento ao ler sobre Abraão e a promessa que foi feita a ele e a sua
semente: o princípio de que a semente é Cristo e todos os que estão n’Ele. E
ninguém mais.
A TERRA
Abraão se encontrava na terra de Canaã quando Deus lhe disse: “O
Deus da glória apareceu a Abraão, nosso pai, quando estava na Mesopotâmia,
antes de habitar em Harã, e lhe disse: Sai da tua terra e da tua parentela e
vem para a terra que eu te mostrarei. Então, saiu da terra dos caldeus e foi
habitar em Harã. E dali, com a morte de seu pai, Deus o trouxe para esta terra
em que vós agora habitais”. (Actos 7:2-4).
Isso não é mais que uma repetição do que temos lido já no capítulo
12 de Génesis. Leiamos agora o versículo seguinte: “Nela, não lhe deu herança,
nem sequer o espaço de um pé; mas prometeu dar-lhe a posse dela e, depois dele,
à sua descendência, não tendo ele filho” (Actos 7:5).
Isso nos mostra que, ainda em outras ocasiões se declara
simplesmente: “à tua descendência darei esta terra”, o próprio Abraão está
incluído na promessa. Isto se torna mais evidente nas repetições da promessa
que se encontram no livro de Génesis.
No entanto nos mostra ainda mais: que Abraão não recebeu nenhuma
terra como herança. Nem se quer a porção necessária para colocar um pé sobre
ela; ainda que Deus havia prometido a ele e sua semente depois dele. Que
diremos disso? Que a promessa de Deus falhou? De modo algum. Deus não mente
(Tito 1:2), Ele permanece Fiel (II Tim. 2:13). Abraão morreu sem haver recebido
a herança prometida; ainda que, morreu na fé. Portanto, devemos nEle aprender a
lição que o Espírito Santo queria que os judeus aprendessem: que a herança
prometida só poderia ser obtida somente por meio de Jesus e a ressurreição. As
palavras do apóstolo Pedro deixam isso igualmente bastante claro:
“Vós sois os filhos dos profetas e do concerto que Deus fez com
nossos pais, dizendo a Abraão: Na tua descendência serão benditas todas as
famílias da terra. Ressuscitando Deus a seu Filho Jesus, primeiro o enviou a
vós, para que nisso vos abençoasse, e vos desviasse, a cada um, das vossas
maldades” (Actos 3:25 e 26).
A bênção de Abraão, tal como já a temos visto, vem sobre os
gentios – todas as famílias da terra –, mediante Jesus Cristo e sua cruz; porém
a bênção de Abraão está relacionada com a promessa que se refere à terra de
Canaã. Também essa terra haveria de ser possuída somente mediante Cristo e a
ressurreição. Se fosse de outro modo, Abraão teria sido desapontado, em lugar
de morrer na plena fé da promessa, como aconteceu. Porém, isso se tornará mais
evidente ao avançarmos em nosso estudo.
Capitulo 4
O Chamado de
Abraão - 2
The Present Truth, 28 maio,
1896
UM
ALTAR
Por onde Abraão andava, edificava um altar ao Senhor. É preciso
recordar que a promessa de que todas as nações haveriam de ser abençoadas em
Abraão, especificava a inclusão das famílias. A religião de Abraão era uma
religião da família. Nunca se descuidou do altar familiar. Não se trata de uma
vazia linguagem figurada, mas sim a prática real dos pais a quem foi feita a
promessa; promessa , promessa que compartilhamos se temos a fé e prática que
eles tiveram.
UM
EXEMPLO PARA OS PAIS
Deus disse a Abraão: “Porque eu o escolhi para que ordene a seus
filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do SENHOR e
pratiquem a justiça e o juízo; para que o SENHOR faça vir sobre Abraão o que
tem falado a seu respeito”. (Génesis 18:19).
Observe as palavras: “ordene a seus filhos e a sua casa depois
dele, a fim de que guardem o caminho do SENHOR e pratiquem a justiça e o
juízo”. Não ordenaria simplesmente que o fizessem assim, deixando logo o
assunto esquecido, senão que, depois de haver dado mandamento, o resultado
seria que guardariam o caminho do Senhor. Isto é, seu ensinamento se tornaria
eficaz.
Podemos estar seguros que os mandamentos que Abraão deu a seus
filhos e a sua família não eram rigorosos nem arbitrários. Os compreendemos
melhor ao considerar a natureza dos mandamentos de Deus. “Seus mandamentos não
são pesados” (I João 5:3). “Seu mandamento é a vida eterna” (João 12:50). Quem
deseja seguir o exemplo de Abraão dirigindo a sua família por meio de regras
duras e arbitrárias, e actuando como um juiz severo ou como um tirano,
ameaçando o que irá acontecer se suas ordens não são obedecidas e executadas
suas decisões, não segundo o espírito de Amor – por que são correctas –, mas
sim por ser mais forte que seus filhos e porque estão debaixo do seu poder, tem
muito que aprender do Deus de Abraão. “E vós, pais, não provoqueis vossos
filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor” (Efésios
6:4).
Ao mesmo tempo podemos estar seguros de que seus mandamentos não
eram como os de Eli, débeis e queixosas repreensões a seus ímpios e miseráveis
filhos: E disse-lhes: “Por que fazeis tais coisas? Pois de todo este povo ouço
constantemente falar do vosso mau procedimento. Não, filhos meus, porque não é
boa fama esta que ouço” (I Samuel 2:23 e 24). Foi pronunciado juízo contra ele
e sua casa, “Porque já lhe disse que julgarei a sua casa para sempre, pela iniquidade
que ele bem conhecia, porque seus filhos se fizeram execráveis, e ele os não
repreendeu” (I Samuel 3:13). Em contraste, Abraão transmitiu a bênção por toda
a eternidade, devido a que os mandamentos que deu a seus filhos tiveram poder
para impedir o mal.
Abraão haveria de ser uma bênção para todas as famílias. Por onde
ele andava, era uma bênção. Porém esta bênção começou em sua família. Ali
esteve o centro. A influência do céu chegou a seus vizinhos a partir do círculo
da família. E agora bem podemos prestar atenção particular a afirmação de que
quando Abraão edificou um altar, “e invocou o nome do SENHOR” (Génesis 12:8,
13:4). Young traduz assim: “Pregou em nome de Jeová”. Se prestar atenção aos
vários lugares onde aparece a mesma expressão, notará que a terminologia em
hebraico é idêntica a de Êxodo 35:5, onde lemos que o Senhor desceu na nuvem,
permaneceu ao lado de Moisés, “proclamou o nome de Jeová”. Portanto, podemos
compreender que quando Abraão edificou o altar da família, não estava
simplesmente instruindo a sua família imediata, mas que “proclamou o nome de
Jeová” a todo o mundo a seu redor. Do mesmo modo que Noé, Abraão foi um
pregoeiro de justiça (II Pedro 2:5). Deus pregou o evangelho a Abraão, e este o
pregou a outros.
ABRAÃO
E LÓ
“Era Abrão muito rico; possuía gado, prata e ouro”. “Ló, que ia com
Abrão, também tinha rebanhos, gado e tendas. E a terra não podia sustentá-los,
para que habitassem juntos, porque eram muitos os seus bens; de sorte que não
podiam habitar um na companhia do outro. Houve contenda entre os pastores do
gado de Abrão e os pastores do gado de Ló. Nesse tempo os cananeus e os
ferezeus habitavam essa terra. Disse Abrão a Ló: Não haja contenda entre mim e
ti e entre os meus pastores e os teus pastores, porque somos parentes
chegados”. (Génesis 13:2, 5-8).
Quando compreendemos a natureza da promessa de Deus a Abraão
podemos compreender o segredo de sua generosidade. Suponhamos que Ló tivesse
escolhido a melhor parte do país; isso não faria nenhuma diferença com respeito
a herança de Abraão: Tendo a Cristo, teria todas as coisas. Sua preocupação não
estava centralizada em suas possessões na vida presente, mas na vida porvir.
Aceitaria com gratidão a prosperidade que o Senhor quisesse lhe enviar; porém
se suas riquezas nesta vida fossem extinguidas, isso em nada diminuiria a herança
que lhe foi prometida.
Não há nada como a presença e bênção de Cristo para por fim a toda
disputa, ou para evitá-la. Na acção de Abrão encontramos um verdadeiro exemplo
cristão. Como o de mais idade, poderia ter invocado sua dignidade e exigido
seus “direitos”. Entretanto, não poderia fazer assim pelo fato de ser um
cristão. O Amor “não busca o que é seu”. Abraão manifestou o verdadeiro
espírito de Cristo. Quando os professos cristãos são sedentos em reclamar as
coisas deste mundo, e temem diante da expectativa de serem privados de alguns
de seus direitos, demonstram indiferença para com a herança eterna que Cristo
oferece.
A
PROMESSA REPETIDA
A cortesia cristã de Abraão, que era o resultado de sua fé na
promessa mediante Cristo, não passou desapercebida diante do Senhor. Lemos:
“Disse o SENHOR a Abrão, depois que Ló se separou dele: Ergue os
olhos e olha desde onde estás para o norte, para o sul, para o oriente e para o
ocidente; porque toda essa terra que vês, eu ta darei, a ti e à tua
descendência, para sempre. Farei a tua descendência como o pó da terra; de
maneira que, se alguém puder contar o pó da terra, então se contará também a
tua descendência. Levanta-te, percorre essa terra no seu comprimento e na sua
largura; porque eu ta darei” (Génesis 13:14-17).
Não esqueçamos que “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao
seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém
como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo”. (Gálatas 3:16). Não existe
outra descendência de Abraão fora de Cristo e os que são d’Ele. Portanto, essa
incontável prosperidade que prometeu a Abraão é idêntica à referida nesta outra
passagem da Escritura:
“Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia
enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e
diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e
clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao
Cordeiro, pertence a salvação”. “Um dos anciãos tomou a palavra, dizendo:
Estes, que se vestem de vestiduras brancas, quem são e donde vieram?
Respondi-lhe: meu Senhor, tu o sabes. Ele, então, me disse: São estes os que
vêm da grande tribulação, lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do
Cordeiro” (Apocalipse 7:9 e 10, 13 e 14).
Já
temos visto que a bênção de Abraão vem a todas as nações por meio da cruz de
Cristo, de forma que na declaração de que esta imensa multidão lavou suas
vestes e as alvejou no sangue do Cordeiro, vemos o cumprimento da promessa feita
a Abraão com o propósito de uma descendência impossível de ser contada. “E, se
sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a
promessa”. (Gálatas 3:29).
É preciso observar que a repetição da promessa, no capítulo 13 de Génesis,
a terra tem um lugar muito importante. O vimos em nosso estudo anterior, e
voltaremos a encontrá-lo como característica fundamental da promessa, ali onde
esta apareça.
ABRAÃO
E MELQUISEDEQUE
A breve história de Melquisedeque é a cadeia que une nosso tempo
com o de Abraão e os seus, e que mostra que a assim chamada “dispensação
cristã”, existia nos dias de Abraão tanto como agora. O capítulo 14 de Génesis
nos diz tudo o que sabemos sobre Melquisedeque. O capítulo 7 de Hebreus repete
a história, e faz alguns comentários sobre ela. Há também referências a
Melquisedeque no capítulo 6, no Salmo 110:4.
Esta é a história: Abraão estava regressando de uma expedição
contra os inimigos que haviam tomado Ló como prisioneiro, quando Melquisedeque
lhe saiu ao encontro, trazendo pão e vinho. Melquisedeque era rei de Salém, e
sacerdote do Deus Altíssimo. Nesta qualidade abençoou Abraão, e este lhe deu o
dízimo do despojo recuperado. Esta é a história, porém a partir dela aprendemos
lições de grande importância.
Em primeiro lugar vemos que Melquisedeque tinha uma posição
superior a Abraão já que “Evidentemente, é fora de qualquer dúvida que o
inferior é abençoado pelo superior”, e também porque Abraão lhe deu o dízimo.
Era um tipo de Cristo; era “a semelhança do filho de Deus”
(Hebreus 7:3). Era uma figura de Cristo por ser ao mesmo tempo rei e sacerdote.
Seu nome significa “Rei de justiça”, e Salém, da qual era rei, significa “paz”;
por tanto, não era apenas sacerdote, mas rei de justiça e rei de paz. De Cristo
está escrito: “Disse o SENHOR ao meu senhor: Assenta-te à minha direita, até
que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés. O SENHOR jurou e não se
arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque”.
(Salmo 110:1, 4). E o nome com o qual ele será chamado é “Senhor justiça nossa”
(Jeremias 23:6).
As Escrituras se referem nestas palavras sobre a realeza do
sacerdócio de Cristo: “E dize-lhe: Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Eis aqui o
homem cujo nome é Renovo; ele brotará do seu lugar e edificará o templo do
SENHOR. Ele mesmo edificará o templo do SENHOR e será revestido de glória;
assentar-se-á no seu trono, e dominará, e será sacerdote no seu trono; e
reinará perfeita união entre ambos os ofícios” (Zacarias 6:12 e 13). O poder
que por ele Cristo, como sacerdote, faz reconciliação pelos pecados do povo, é
o poder do trono de Deus sobre o qual se senta.
Porém o ponto principal, em referência a Melquisedeque, é que
Abraão viveu na mesma “dispensação” que nós vivemos. O sacerdócio era então da
mesma ordem que agora. Não é somente que sejamos os filhos de Abraão, se somos
da fé; além disso, nosso Sumo Sacerdote - que subiu aos céus -, foi feito pelo
juramento de Deus Sumo Sacerdote para sempre “segundo a ordem de
Melquisedeque”. Assim em um duplo sentido, está claro que “Se sois de Cristo,
certamente sois descendentes de Abraão, e herdeiros segundo a promessa”.
“Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se” (João
8:56).
Abraão, portanto, era cristão como os que viveram após a
crucifixão de Cristo. “Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez,
chamados cristãos” (Actos 11:26). Porém, os discípulos não eram diferentes
depois de os chamarem cristãos, do que foram antes disso. Quando eram
conhecidos simplesmente como judeus, eram tão cristãos quanto depois de serem
chamados dessa maneira. O nome não significa muito. Foram chamados de cristãos
por serem seguidores de Cristo; no entanto, seguiam a Cristo antes que lhe
chamassem cristãos, tanto quanto o seguiram depois. Abraão, centenas de anos
antes dos dias de Jesus de Nazaré, foi precisamente o que seria cada discípulo
em Antioquia a quem chamaram-no cristão: um seguidor de Cristo. Por tanto, em
sentido mais pleno da palavra, foi um cristão. Todos os cristãos, e ninguém
mais que eles, são os filhos de Abraão.
Observe que o sétimo capítulo de Hebreus nos mostra o caso de
Abraão e Melquisedeque como prova de que ele pagou dos dízimos não é uma
ordenança levítica. Muito antes do nascimento de Levi, Abraão pagou os dízimos.
E os pagou a Melquisedeque cujo sacerdócio era um sacerdócio cristão. Por
tanto, os que estão em Cristo, e por tanto são filhos de Abraão, darão também o
dízimo de tudo.
Devemos notar que o dízimo era algo bem conhecido nos dias de
Abraão. Este deu os dízimos ao sacerdote de Deus como algo natural. Reconheceu
o fato de que a décima parte é do Senhor. O registro de Levítico não é a origem
do sistema do dízimo, mas uma simples constatação do fato. Até a própria ordem
levítica pagou os dízimos em Abraão (Hebreus 7:9). Não se diz acerca de quando
foi dada essa instituição ao homem pela primeira vez, porém vemos que era bem
conhecida nos dias de Abraão. No livro de Malaquias, que está especialmente
dirigido àqueles que vivem justamente “antes que venha o grande e terrível dia
do Senhor” (Malaquias 4:5), nos diz que aqueles que retém os dízimos estão
roubando ao Senhor.
O argumento é simples: Abraão deu o dízimo a Melquisedeque; o
sacerdócio de Melquisedeque é o sacerdócio pelo qual vem a justiça e a paz, o sacerdócio
que por ele somos salvos. Abraão deu o dízimo a Melquisedeque por que
Melquisedeque era o representante do Deus Altíssimo, e o dízimo é do Senhor. Se
somos de Cristo, somos filhos de Abraão; e se não somos filhos de Abraão, então
não somos de Cristo. Entretanto, se somos filhos de Abraão temos de fazer as
obras de Abraão. De quem somos?
Existe ainda outro ponto a destacar. Se você é observador lhe
chamará a atenção o fato de que Melquisedeque, que foi feito rei de justiça e
paz, e sacerdote do Deus Altíssimo, trouxe a Abraão pão e vinho: são os
emblemas do corpo e o sangue de nosso Senhor. Pode-se concluir que o pão e o
vinho tinham por objectivo o sustento físico de Abraão e seus acompanhantes. No
entanto, isso em nada diminui o significado do fato. Melquisedeque saiu em sua
qualidade de rei e sacerdote, e Abraão o reconheceu como tal. Observe a relação
em Génesis 14:18 e 19: “Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; era
sacerdote do Deus Altíssimo; abençoou ele a Abrão e disse: Bendito seja Abrão
pelo Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra”. É evidente que o pão e o
vinho que Melquisedeque ofereceu adquiriu significado especial pelo fato de que
era sacerdote do Deus Altíssimo. Os judeus do tempo de Cristo se enganaram a
respeito de sua afirmação de que Abraão se alegrou por ver o dia de Cristo. Não
podiam ver evidência alguma deste fato. Podemos nós ver nessa transacção uma
evidência de que Abraão viu o dia de Cristo, que é o dia da salvação?
Capitulo
5
O Chamado de
Abraão - 3
The Present Truth, 4 de junho de 1896
O PACTO
O capítulo 15 de Génesis contem o primeiro relato do pacto feito com Abraão. “Depois destes acontecimentos, veio a palavra do Senhor a Abrão, numa visão, e disse: Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, e teu galardão será sobremodo grande”. Observe: Deus afirmou que ele mesmo era a recompensa [galardão] de Abraão. Se somos de Cristo, somos semente de Abraão, e conforme a promessa, herdeiros. Herdeiros de que? – “herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo” (Romanos 8:17). O salmista se referiu à mesma herança: “O Senhor é a porção da minha herança” (Salmo 16:5). Temos, pois, aqui, outro argumento que relaciona a todo o povo de Deus com Abraão. Sua esperança não é outra, mas sim, a promessa de Deus feita a Abraão.
A promessa que Deus fez a Abraão não se referia somente a ele, mas também à sua semente. De forma que Abraão disse ao Senhor: “Senhor Deus, que me haverás de dar, se continuo sem filhos e o herdeiro da minha casa é o damasceno Eliézer? Disse mais Abrão: A mim não me concedeste descendência, e um servo nascido na minha casa será o meu herdeiro” (Génesis 15:2 e 3). Abraão não conhecia o plano do Senhor. Conhecia e cria na promessa, porém, sendo que envelhecia e não tinha filhos, supôs que a semente que lhe fora prometida viria através de seu servo. Entretanto, esse não era o plano de Deus. Abraão não haveria de ser o progenitor de uma raça de servos, mas sim de homens livres.
Então o Senhor lhe disse: “Não será esse o teu herdeiro; mas aquele que será gerado de ti será o teu herdeiro. Então, conduziu-o até fora e disse: Olha para os céus e conta as estrelas, se é que o podes. E lhe disse: Será assim a tua posteridade. Ele creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça” (Génesis 15:4-6).
“E Abraão creu no Senhor”. A raiz do verbo traduzido como “creu” é a palavra “Amem”. A ideia é de firmeza, de um fundamento. Quando Deus pronunciou a promessa, Abraão disse “Amem”, isto é, edificou em Deus, tomando a palavra de Deus como fundamento seguro. Relacionado com Mateus 7:24 e 25.
Deus prometeu a Abraão uma grande casa. No entanto, essa casa deveria ser edificada no Senhor, e assim o compreendeu Abraão, que começou a edificar sem demora. Jesus Cristo é o fundamento, já que “ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” I Coríntios 3:11. A casa de Abrão é a casa de Deus, edificada “sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular” (Efésios 2:20). “Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo. Pois isso está na Escritura: Eis que ponho em Sião uma pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será, de modo algum, envergonhado” (I Pedro 2:4-6)
“E Abraão creu no Senhor, e isso lhe foi imputado como justiça”. Porque? Porque fé significa edificar sobre Deus e sua palavra, e isso significa receber a vida de Deus e Sua Palavra. Preste atenção nos versículos citados pelo apóstolo Pedro, que o fundamento sobre o qual se edifica a casa é uma pedra viva. O fundamento é um fundamento vivo, de quem recebem vida os que vêm a Ele, de forma que, a casa que é edificada é uma casa viva. Cresce a partir da vida de seu fundamento. Porém, o fundamento é reto: “para anunciar que o Senhor é reto... nEle não há injustiça” (Salmo 92:15). Por tanto, visto que fé significa edificar em Deus e sua santa palavra, torna-se evidente que a fé há de ser justiça para quem a possui e a exercite.
Jesus Cristo é a origem de toda fé. A fé tem n’Ele o seu princípio e o seu fim. Não pode haver fé real que não tenha seu centro em Cristo. Por tanto, quando Abrão creu no Senhor, creu no Senhor Jesus Cristo. Deus jamais se tem revelado ao homem, excepto por meio de Cristo (João 1:18). Que a crença de Abraão foi fé pessoal no Senhor Jesus Cristo, fica também evidenciado pelo fato de que isso lhe foi imputado por justiça. E não há justiça, excepto pela fé de Jesus Cristo, “o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (I Coríntios 1:30). Nenhuma justiça terá o menor valor quando o Senhor aparecer, excepto “a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé” (Filipenses 3:9). Porém, visto que Deus mesmo considerou a fé de Abraão como justiça, fica claro que a fé de Abraão estava centralizada unicamente em Cristo, de quem procedia sua justiça.
Isso demonstra que a promessa de Deus a Abraão foi unicamente mediante Cristo. A semente ou descendência seria exclusivamente a que é pela fé de Cristo, já que Cristo mesmo é a semente. A posteridade de Abraão, que haveria de ser tão incontável como as estrelas, será composta pela hoste inumerável que lavou suas vestes no sangue do Cordeiro. As nações, que haveriam de proceder dele, serão “as nações que foram salvas” (Apocalipse 21:24). Ver Mateus 8:11. “Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amem” (II Coríntios 1:20).
“Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra”, etc. (Génesis 15:18). Nos versículos anteriores encontramos o estabelecimento desse pacto. Temos primeiramente a promessa de uma posteridade incontável, e também da terra. Deus disse: “Disse-lhe mais: Eu sou o SENHOR que te tirei de Ur dos caldeus, para dar-te por herança esta terra” (verso 7). É necessário recordar esse versículo ao ler o verso 18, porque, neste caso, poderíamos ter a impressão errada de que houve algo [a terra] que foi prometida somente aos descendentes de Abraão, excluindo o próprio Abraão. “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência” (Gálatas 3:16). À sua descendência não lhe foi prometida nada que não foi prometida também a ele.
Abrão creu no Senhor. Apesar disso, disse: “Perguntou-lhe Abrão: Senhor Deus, como saberei que hei de possuí-la?” (Génesis 15:8). Segue a continuação o relato da partilha ao meio do novilho, da cabra e o cordeiro. Refere-se a ele em Jeremias 34:18-20, quando Deus reprovou o povo por transgredir o pacto.
“Ao pôr-do-sol, caiu profundo sono sobre Abrão, e grande pavor e cerradas trevas o acometeram; então, lhe foi dito: Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. Mas também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-se; e depois sairão com grandes riquezas. E tu irás para os teus pais em paz; serás sepultado em ditosa velhice. Na quarta geração, tornarão para aqui; porque não se encheu ainda a medida da iniquidade dos amorreus” (Génesis 15:12-16).
Temos visto que esse pacto era um pacto de justiça pela fé, visto que a descendência e a terra se obteriam pela fé na palavra de Deus; fé que a Abraão lhe foi considerada como justiça [Romanos 4:20-22]. Vejamos agora o que mais podemos aprender dos textos citados anteriormente.
Fica claro que Abraão haveria de morrer antes que lhe fosse dada a possessão. Morreria bem avançado em idade, e sua descendência seria estrangeira em terra alheia durante quatrocentos anos.
Não é somente que Abraão morreria, mas também seus descendentes imediatos, ante que a semente possuísse a terra que se lhes havia prometido. De fato, sabemos que Isaac morreu antes que os filhos de Israel fossem ao Egipto, e que Jacó e todos seus filhos morreram na terra do Egipto.
“A Abraão foram feitas as promessas, e à sua descendência”. O capítulo que estamos estudando nos diz o mesmo. É evidente que uma promessa feita à semente de Abraão não pode cumprir-se dando-se o prometido somente a uma parte dela; e o que foi prometido a Abraão e sua semente não pode chegar ao cumprimento a menos que Abrão participe, tanto como sua semente.
O que demonstra o texto anterior? – Simplesmente isto, que promessa do capítulo 15 de Génesis segundo a qual Abraão e sua semente possuiriam a terra, se referia à ressurreição dos mortos, e nada menos que isso. O anterior segue sendo correcto, ainda se excluíssemos o próprio Abraão do pacto que ali se enuncia; posto que, como já temos visto, é indiscutível que muitos dos descendentes imediatos de Abraão estariam já mortos no tempo do cumprimento da promessa; e sabemos que Isaac, Jacó e os doze patriarcas morreram muito antes desse momento.
Ainda que deixando Abraão fora, permanece o fato de que a promessa à semente tem de incluir a semente inteira, e não somente a uma parte dela. Porém, não podemos excluir da promessa a Abraão. Por tanto, temos positiva evidência de que neste capítulo encontramos o registro de como foi pregado a Abraão a respeito de Jesus e a ressurreição.
O CUMPRIMENTO DA PROMESSA TRAZ A RESSURREIÇÃO
Isto nos capacita a
compreender melhor por que Estêvão, quando teve que enfrentar o tribunal por
pregar a Jesus, começou seu discurso com uma referência a estas mesmas
palavras. Falando da permanência de Abraão na terra de Canaã, afirmou que Deus
“não lhe deu herança, nem sequer o espaço de um pé; mas prometeu dar-lhe a
posse dela e, depois dele, à sua descendência, não tendo ele filho” (Actos
7:5). Em sua referência e essa promessa, que era bem conhecida por todos os
judeus, Estevão lhes mostrou de forma indiscutível que só poderia haver
cumprimento pela ressurreição dos mortos, por meio de Jesus.
“E tu irás para os teus
pais em paz; serás sepultado em ditosa velhice. Na quarta geração, tornarão
para aqui; porque não se encheu ainda a medida da iniquidade dos amorreus”.
Isto nos permite conhecer a razão pela qual Abraão morreu na fé, apesar de não
haver recebido a promessa. Se ele tivesse esperado recebê-la nesta vida actual,
terminaria decepcionado ao chegar à sua morte sem vê-la cumprida. Porém, Deus lhe
disse claramente que haveria de morrer antes de ver seu cumprimento. Por tanto,
visto que Abraão creu em Deus, está claro que compreendeu o cumprimento da
promessa como relativo à ressurreição, e que creu nela. A ressurreição dos
mortos, como veremos esteve sempre no centro da esperança de todo verdadeiro
filho de Abraão.
Porém, aprendemos algo
mais. Na quarta geração, ou depois dos quatrocentos anos, sua descendência
haveria de ser liberada da escravidão, na terra prometida. Porque não haveria
de possuir a terra de uma vez? – Por que a maldade dos amorreus não havia
chegado à sua plenitude. Isso mostra que Deus daria ao amorreus tempo para
arrepender-se, e em seu defeito, tempo para que cumprissem a medida de sua
maldade, demonstrando assim sua desqualificação para possuir a terra.
E isto acentua uma vez
mais que a terra que Deus prometeu a Abraão e à sua semente pode se possuída
por um povo justo. Deus não expulsaria da terra aqueles em que houvesse a
mínima possibilidade de chegarem a ser justos. Porém, o facto de que o povo que
haveria de ser destruído de diante dos filhos de Abraão devido à sua maldade,
mostra que se espera que os possuidores da terra sejam justos. Por tanto, vemos
que a descendência de Abraão, a quem foi prometida a terra, haveria de ser um
povo justo. Isto já ficou demonstrado pelo fato de que a Abraão foi prometida
descendência somente por meio da justiça da fé.
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