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segunda-feira, 16 de março de 2015

MAIS PENSAMENTOS ACERCA DO CARÁTER DE DEUS - F. T. WRIGHT

 



Por

F.T. Wright

   Tão certamente como Deus é infinito, também o é o estudo acerca do Seu carácter. Nunca chegará o tempo em que o homem finito pode fechar a capa de qualquer livro sobre este assunto declarando que tudo quanto pode ser escrito a respeito de Deus está publicado. Isto continuará a ser verdade no Paraíso restaurado, onde, com mentes muitíssimo mais poderosas, e maior acesso a toda extensão do ilimitado conhecimento, iremos explorar sem cessar as infinitas minas da verdade. Não importa quanto se aprenda acerca do amoroso carácter do nosso maravilhoso Pai celestial, haverá ainda uma infinidade para além disso. Uma das consumadas alegrias do céu será encontrada nesta viagem infinita de descoberta à medida que cada nova faceta de luz e vida é discernida, a felicidade dos remidos aumentará, e o seu crescente amor por Deus ancorá-los-á mais firmemente n’Ele. 

   Assim, neste artigo vamos expor alguns pensamentos adicionais que vieram à luz nos últimos meses. 

A EXALTAÇÃO PRÓPRIA DO HOMEM

   Creio que se podia com segurança concluir que cada falso ensino exalta o homem acima de Deus. Isto é com certeza verdade acerca da teoria que Deus destrói os Seus filhos que duma maneira ou de outra não Lhe obedecem. 

   Para discernir este facto, é apenas necessário comparar a representação de Deus que esta teoria projecta e o carácter dos pais terrestres. Pode ver-se instantaneamente que de acordo com esta comparação, o pai terrestre é mais paciente, perdoador, bom e amoroso do que Deus. Isto apresenta o homem sendo melhor do que Deus e portanto acima d’Ele. Isto desvaloriza Deus ao nível daqueles pais desumanos que neste mundo têm destruído os seus próprios filhos quando eles teimam no seu caminho ou se recusam a obedecer às suas ordens despóticas e impiedosas. 

    Que os leitores perguntem a si mesmos o que fariam e porquê se os seus filhos fossem totalmente desobedientes, desrespeitadores e viciados. Saberiam que não podiam destruir os seus próprios filhos e portanto não os destruiriam por este motivo. Não seria possível por causa do seu amor por eles. 

    Se se acredita que Deus podia fazer o que os pais terrestres não podem, então Ele é apresentado numa luz pior do que um pai humano. Teria no Seu carácter uma dureza, orgulho, espírito vingativo e severidade desconhecida nos pais terrestres para com os seus filhos. 

    Os factos reais são, é claro, muito diferentes. O amor de Deus para com os Seus filhos é incomensuravelmente maior do que o dos pais terrestres. Se não está nos pais terrestres destruir os seus próprios filhos, a disposição para o fazer é infinitamente menor no nosso maravilhoso Pai celestial.

 O DOM DA LIBERDADE

   Quando Deus criou o homem, Ele tornou-o um agente moralmente livre com total liberdade para obedecer ou desobedecer conforme o seguinte testemunho confirma: "Nossos primeiros pais, se bem que criados inocentes e santos não foram colocados fora da possibilidade de praticar o mal. Deus os fez como entidades morais livres, capazes de apreciar a sabedoria e benignidade de Seu carácter, e a justiça de Suas ordens e com ampla liberdade de prestar obediência ou recusá-la." Patriarcas e Profetas, 32.

    Esses são os factos do caso, do qual poderosas implicações devem ser tiradas. Quer dizer que, uma vez que Deus lhes havia dado total liberdade para “prestar obediência ou recusá-la”, Ele não podia puni-los por exercerem a liberdade que assim lhes fora dada. Tudo quanto Ele podia fazer era avisá-los das consequências certas de pôr de lado os preceitos divinos. Ele não podia administrar a punição que seria causada pela desobediência. Devia deixar-se que o pecado exigisse o seu próprio pagamento. 

    Simples, lógico e óbvio como este princípio devia ser, é surpreendente como poucos o vêem realmente. Para o tornar claro, senti que uma clara ilustração era necessária. Isto foi visto quando visitei a prisão do estado Auburn, Nova Iorque, em Novembro de 1983. Não era dada ao prisioneiro com quem falei qualquer liberdade para ficar ou sair conforme quisesse. Era muito claro para ele que era obrigado a ficar lá até à altura em que fosse libertado, se essa altura alguma vez chegasse. Se tentasse empreender uma fuga sob estas condições, ao ser recapturado seria severamente punido. 

    Mas, se as autoridades lhe dissessem que tinha toda a liberdade para escolher ficar ou partir, então, se ele partisse, não tinham legitimidade para puni-lo. No momento em que o governador da prisão, em representação dos seus superiores, anunciasse esta liberdade, teria confiscado todo o direito de punir o prisioneiro se ele partisse. 

   Se este princípio simples puder ser visto, então não deve haver mais problema em reconhecer que Deus, ao dar à família humana toda a liberdade para abandonar ou manter obediência, desse modo confiscando todo o direito de jamais punir qualquer dos seus membros pelo exercício dessa liberdade em qualquer das formas que ele escolhesse.  

    Isto não é sugerir que o Senhor realmente confiscou alguma coisa, pois não havia n’Ele qualquer disposição para punir. Ele não tem interesse no tipo de obediência que nasce do medo da punição.  Ele aceitará apenas aquele serviço que brota da inteligência, apreciação, e amor. Portanto, quando Ele deu ao homem a total liberdade de obedecer ou não obedecer, estava apenas a expressar o Seu carácter de infinito amor.


TAL ORDEM NUNCA FOI DADA

    O argumento favorito na defesa da ideia que Deus é um destruidor, é que o Senhor ordenou aos israelitas que lutassem contra os inimigos e os destruíssem. A ideia é que, embora possa ser reconhecido que o próprio Deus nunca matasse, o facto de ter ordenado a outros que fizessem a obra destruidora por Ele, torná-l’O-ia tão culpado como se Ele próprio o tivesse feito. Os textos citados para apoiar esta posição têm a tendência para incluir o seguinte: 

   “Então disse Samuel a Saúl: enviou-me o Senhor a ungir-te rei sobre o Seu povo, sobre Israel: ouve, pois, agora, a voz das palavras do Senhor. 

    “Assim diz o Senhor dos exércitos: Eu me recordei do que fez Amalec a Israel; como se lhe opôs no caminho, quando subia do Egipto. 

    “Vai, pois, agora e fere a Amaleque; e destrói totalmente, a tudo o que tiver, e não lhe perdoes; porém matarás, desde o homem até à mulher, desde os meninos até aos de mama, desde os bois até às ovelhas, e desde os camelos até aos jumentos. 

    “E Saúl convocou ao povo, e os contou em Teilaim, duzentos mil homens de pé, e dez mil homens de Judá.” 1Samuel 15:1-4. 

    Saúl não seguiu estas instruções à letra, mas manteve vivos os animais que podiam ser usados em sacrifícios ou outros para outros fins. O seu fracasso em obedecer explicitamente à instrução divina fez com que o Senhor proferisse um terrível juízo contra ele. 

    “E enviou-te o Senhor a este caminho, e disse: Vai, e destrói, totalmente, a estes pecadores, os Amalequitas, e peleja contra eles, até que os aniquiles. 

    “Por que, pois, não destes ouvidos à voz do Senhor, antes voaste ao despojo, e fizeste o que parecia mal aos olhos do Senhor? “Então disse Saúl a Samuel: Antes, dei ouvidos à voz do Senhor, e caminhei no caminho pelo qual o Senhor me enviou; e trouxe a Agag, rei de Amalec, e os Amalequitas destruí totalmente; 

    “Mas o povo tomou do despojo ovelhas e vacas, o melhor do interdito, para oferecer ao Senhor, teu Deus, em Gilgal. 

   “Porém Samuel disse: Tem, porventura, o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à palavra do Senhor? eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar; e o atender melhor é do que a gordura de carneiros. 

    "Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniquidade e idolatria. Porquanto tu rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a ti, para não sejas rei.” Versículos 18-23.     

   "Quando estes versículos são lidos, é natural concluir que o Senhor especificamente ordenou a Saúl que lutasse contra os Amalequitas até que os israelitas os tivessem destruído completamente. Quando o rei falhou em fazer exactamente o que o Senhor lhe tinha indicado, então foi severamente repreendido de modo que foi para sempre riscado do serviço de Deus. 

   Estas instruções de Deus através de Samuel eram orientações adicionais para o cumprimento da palavra dada a Moisés anteriormente à sua chegada ao monte Sinai. Isto foi ocasionado pelos covardes ataques dos Amalequitas contra o fraco, doente e errante povo de Deus. 

     Por causa da desobediência de Israel e do seu afastamento de Deus, foi-lhes permitido serem colocados em posições difíceis e sofrer adversidade; aos seus inimigos foi permitido fazer guerra contra eles, para os humilhar e levá-los a procurar Deus na sua dificuldade e angústia.” Testimonies 2:106

    O relato em Êxodo não diz que o Senhor instruiu Moisés para dizer a Josué que reunisse os homens para a guerra, mas naturalmente se pensaria que Moisés não agiria a não ser sob as orientações de Deus. Contudo, não é necessário provar que Deus foi o autor destes movimentos para demonstrar que Ele aparentemente deu instruções para os israelitas saírem e lutarem contra os inimigos, pois sabemos que, depois do seu vitorioso regresso, Deus deu precisamente essas ordens a respeito do que eles deviam fazer aos Amalequitas no futuro. 

    “Então disse o Senhor a Moisés; Escreve isto para memoria num livro, e relata-o aos ouvidos de Josué; que Eu, totalmente, hei-de riscar a memória de Amalec de debaixo dos céus.” Êxodo 17:14. 

    Israel certamente compreendeu que isto significava que o Senhor o faria através das armas de guerra que eles usariam. Por outras palavras, eles lutariam com os Amalequitas até que nenhum deles ficasse. A repetição desta ordem em Deuteronómio 25:17-19 parece confirmar que os israelitas deviam fazer realmente a matança. “Lembra-te do que te fez Amalec no caminho, quando saías do Egipto: 

    "Como te saiu ao encontro no caminho e te derribou na retaguarda, todos os fracos que iam após ti, estando tu cansado e afadigado; e não temeu a Deus. 

    “Será, pois, que, quando o Senhor, te tiver dado repouso de todos os teus inimigos em redor, na terra que o Senhor teu Deus te dará por herança para possuí-la, então apagarás a memória de Amalec de debaixo do céu: não te esqueças.” Deuteronómio 25:17-19.

     Quando o Senhor proferiu estas palavras, sabia o que queria dizer com elas e aquilo que Ele pretendia que Israel entendesse por elas, mas é evidente que, por causa da pecaminosidade dos seus corações, o povo a quem as palavras eram dirigidas, não compreendeu a mensagem divina. Este facto é tornado muito claro quando chegaram a Cades-Barneia. 

    Ali, o seu divino guia tinha-lhes ordenado que fossem e possuíssem a terra sob o Seu comando pessoal, mas eles haviam seguido um caminho de incredulidade e  desobediência, com o resultado que o Senhor tinha que informá-los que deviam passar o resto das suas vidas errando pelo deserto. Quando ouviram isto, pareceram arrepender-se, e, ao fazê-lo, proferiram as seguintes palavras que revelaram como compreendiam as declarações de Deus: 

    "… Pecámos contra o Senhor; nós subiremos e pelejaremos, conforme a tudo o que nos ordenou o Senhor, nosso Deus.” Deuteronómio 1:41. 

    Estas palavras claramente revelam a interpretação dada às palavras de Deus pelo povo. Eles pensaram que o Senhor tinha ordenado que subissem e lutassem contra os seus inimigos e tomassem posse da terra deles. Além disso, esta é a interpretação que qualquer um tem a tendência de dar às referências acima citadas. Contudo, não foi a conclusão que Deus teve intenção que eles tirassem das Suas palavras, mas o resultado de uma terrível cegueira produzida pela transgressão. 

    Que isto é assim é tornado muito claro no seguinte testemunho:  “‘Pecamos contra o Senhor,’ exclamaram; ‘nós subiremos e pelejaremos, conforme a tudo o que nos ordenou o Senhor nosso Deus.’ Deuteronómio 1:41.  Tão terrivelmente cegos ficaram eles pela transgressão. O Senhor nunca lhes mandara ‘subir e pelejar.’ Não era Seu propósito que adquirissem a terra pela guerra, mas pela obediência estrita aos Seus mandos.” Patriarcas e Profetas, 411. 

    Eles iam subir para lutar, é verdade, mas não como o Senhor lhes havia ordenado. Eles tinham chegado à conclusão que deviam subir e pelejar como o Senhor seu Deus lhes ordenara, apenas por causa de se tornarem "tão terrivelmente cegos pela transgressão” que não podiam compreender Deus correctamente quando Ele lhes falou. Apesar daquilo que lhes parecia serem as mais claras instruções do contrário, o Senhor nunca lhes ordenou que subissem e pelejassem.

    Nós devemos aprender através dos seus erros, porque, se eles entenderam mal as instruções do Senhor, assim podemos nós também compreendê-las mal. De facto, todo aquele que conclui pelas declarações divinas, das quais as citadas neste artigo são apenas exemplo, que Deus realmente lhes ordenou que subissem e lutassem, está desse modo mostrando a mesma cegueira espiritual que é produto da transgressão.

    Em nenhum momento o Senhor alguma vez ordenou ou ordenará ao Seu povo subir e lutar contra os seus inimigos com armas destruidoras. É completamente contrário ao Seu carácter fazer isso. Ele não é o destruidor na forma directa de Ele próprio o fazer, ou indirecta de o realizar através dos Seus agentes.

    Alguns argumentarão que a Bíblia não deve querer dizer o que diz, pois a linguagem é suficientemente clara. Quando ela diz que o Senhor lhes ordenou, como no caso do rei Saúl e dos Amalequitas, então quer dizer que ordens específicas com origem na mente de Deus foram dadas aos israelitas e que isso devia ser o ponto final da questão. Como pode então ser dito que Deus nunca ordenou que subissem e lutassem? Isto, argumentam, é totalmente contraditório.

    Aos que têm falta de percepção espiritual, é inegável, mas aos que foram libertados da cegueira que a transgressão traz à alma, não há conflito. Eles podem ver que o Senhor nunca ordenou aos israelitas que subissem e lutassem. O problema é resolvido com simplicidade pela aceitação do simples princípio que os caminhos de Deus não são os caminhos dos homens, como está declarado em Isaías 55:8, 9. Portanto, palavras que são usadas para descrever o comportamento de Deus têm um significado diferente para descrever o comportamento do homem. Este ponto foi tratado com profundidade em Eis Aqui o Vosso Deus.

    Quando os homens que estão no poder dão ordens outros homens, usam os meios ao seu dispor para os obrigar a obedecer. A sua única preocupação é que a sua posição e autoridade seja respeitada. Mas Deus é um Educador. As Suas ordens são advertências apontando ao Seu povo os melhores procedimentos a ser seguidos na situação em que se encontra.

    Como é provado em Eis Aqui o Vosso Deus, o Altíssimo nunca deu armas de guerra aos israelitas e nunca lhes apontou a obra de mortandade. Ao contrário de todos os caminhos em que Ele os estava a guiar e às lições que lhes estava a ensinar, eles tomaram as espadas e instituíram o sistema de conquistar que não era diferente dos pagãos à sua volta, tal como mais tarde, apesar dos veementes protestos do Senhor do contrário, eles exigiram um rei como aqueles que governavam as nações do mundo.

    “O Senhor nunca lhes mandara ‘subir e pelejar.’ Não era Seu propósito que adquirissem a terra pela guerra, mas pela obediência estrita aos Seus mandos.” Patriarcas e Profetas, 411. Esta obra que o Senhor nunca lhes deu, tomaram-na eles sobre si mesmos, assim impedindo Deus de fazer a obra em justiça. Tudo o que Deus podia fazer era adverti-los de como fazer a sua obra destruidora misericordiosa e rapidamente. Eles interpretaram isto como uma aprovação dos seus maus caminhos.

 

O DIVINO SUBSTITUTO

    Há um argumento que é tão convincente, poderoso e claro a respeito do carácter de Deus, que nenhum outro é realmente necessário. É a linha de medição pela qual todas as proibições podem ser testadas. É o argumento da cruz.

    Quando os nossos primeiros pais pecaram no Éden, colocaram-se a si mesmos onde a lei quebrantada exigia as suas vidas e nesse dia teria executado a penalidade se não fosse a imediata interposição de Cristo. O ponto vital é que para a Sua interposição ser eficaz, Cristo tinha que tomar o lugar exacto do homem e sofrer a punição que doutro modo teria destruído o pecador. Há muitos testemunhos que confirmam a veracidade desta verdade. “Sofreu a morte que nos cabia, para que recebêssemos a vida que a Ele pertencia. ‘Pelas Suas pisaduras fomos sarados.’” O Desejado de Todas as Nações, 23

    “No instante em que o homem aceitou as tentações de Satanás, e fez as mesmas coisas que Deus tinha dito que não fizesse, Cristo, o Filho de Deus, colocou-Se entre os vivos e os mortos, dizendo: ‘Que a punição caia sobre Mim. Eu ficarei no lugar do homem. Ele terá outra oportunidade. ’” The S.D.A. Bible Commentary 1:1085.

    “Toda a ofensa contra a lei de Deus, mesmo que ínfima, é levada em conta, e quando a espada da justiça for tomada na mão, fará a obra pelo impenitente transgressor que foi feita ao divino Sofredor. A justiça surgirá; pois o ódio de Deus ao pecado é intenso e esmagador.” The S.D.A. Bible Commentary , 3:1166.

    Não era apenas uma punição que devia cair sobre Cristo, mas a punição em que o homem tinha incorrido pela transgressão. Isto quer dizer que a única forma possível em que Deus podia ter tratado Cristo quando Ele tomou o lugar do culpado pecador era a forma pela qual Ele trata os próprios pecadores. Se o método de Deus fosse dirigir-se ao transgressor e administrar a sentença de morte, então este era o que Ele teria usado com o Seu Filho no Calvário.

Por outro lado, se é o método de Deus aceitar a retirada que o pecado exige e por isso deixar o pecador a perecer como resultado da sua própria iniquidade, então isso é o que Deus teria feito a Cristo no Calvário.

Por isso uma pessoa tem apenas que observar cuidadosamente aquilo que Deus fez no Calvário para saber como Ele tratará, com invariável consistência, o pecador. Por conseguinte, o que fez o Pai no Calvário? Foi Ele junto do Salvador com intenções destruidoras, ou retirou-Se e deixou-O sofrer as consequências do pecado? Foi Deus ou o pecado que tirou a vida a Cristo?

O próprio Cristo declara acerca do que aconteceu. "Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste? Por que Te alongas das palavras do meu bramido, e não me auxilias? "Deus Meu, Eu clamo de dia, porém Tu não Me ouves; de noite, e não tenho sossego." Salmo 22:1, 2. Vede também Mateus 27:46; Marcos 15:34.

Cristo não declarou que o Pai vinha contra Si como um vingativo destruidor, mas que Ele Se afastara de Si e que havia um terrível abismo de separação que parecia tão profundo e largo que Ele receava que fosse eterno.

“Durante toda a sua vida na Terra, andara à luz da presença de Deus. Quando em conflito com homens que eram inspirados pelo próprio espírito de Satanás, podia dizer: ‘Aquele que Me enviou está comigo; o Pai não Me tem deixado só, porque Eu faço sempre o que Lhe agrada.’ João 8:29. Agora, porém, parecia estar excluído da luz da mantenedora presença de Deus. Agora era contado com os transgressores. Devia suportar a culpa da humanidade caída. Sobre Ele, que não conheceu pecado algum, deve ser colocada a iniquidade de nós todos. O pecado parece-lhe tão terrível, tão grande o peso da culpa que deve levar sobre si, que é tentado a temer que ele O separe para sempre do amor do Pai. Sentindo quão terrível é a ira de Deus contra a transgressão, exclama: ‘A Minha alma está profundamente triste até à morte.’ “… Sentia que, por causa do pecado, estava a ser separado do Pai. O abismo era tão largo, tão negro, tão profundo, que o Seu espírito tremeu diante dele.” O Desejado de Todas as Nações, 745, 746.

Estes testemunhos tornam muito claro que Deus não veio contra Cristo como um destruidor, mas que num sentido muito real, o Pai estava muito afastado d'Ele. Foi este terrível sentido de separação de Deus o maior elemento nos sofrimentos de Cristo, como está escrito:

“O afastamento do semblante divino, do Salvador, nesta hora de suprema angústia, penetrou-Lhe o coração com uma dor que o homem nunca poderá compreender. Esta agonia era tão grande, que Ele mal sentia a dor física. “Satanás torturava o coração de Jesus com cruéis tentações. O Salvador não podia ver para além dos portais do sepulcro. A esperança não Lhe apresentava a Sua saída da sepultura como vencedor, nem Lhe falava da aceitação do Seu sacrifício por parte do Pai. Temia que o pecado fosse tão ofensivo a Deus, que a Sua separação tivesse de ser eterna. Jesus sentiu a angústia que o pecador há-de experimentar quando a misericórdia deixar de interceder pela raça culpada. Foi o sentimento do pecado, trazendo a ira divina sobre Ele como substituto do homem, que tornou tão amargo o cálice que Ele bebeu e angustiou o coração do Filho de Deus.” O Desejado de Todas as Nações, 817.

Não foi Deus mas o pecado que matou o Filho de Deus.

“Mas não foi o golpe da lança, não foi a dor da crucifixão, que produziu a morte de Jesus. Aquele grito proferido ‘com grande voz’ (Mateus 27:50; Lucas 23:46), no momento da morte, a corrente de sangue e água que Lhe fluiu do lado, demonstraram que Ele morreu pela ruptura do coração. O Seu coração foi quebrantado pela angústia mental. Foi morto pelo pecado do mundo.” O Desejado de Todas as Nações, 838, 839.

Tão seguramente como Deus não matou Cristo no Calvário, assim certamente também não destruirá qualquer pecador. Ele não podia fazer uma coisa ao Seu Filho unigénito e outra ao restante de nós. Nada haveria que Satanás mais rapidamente apontasse o seu dedo acusador, do que uma tal inconsistência.

Por estranho que possa parecer, o Pai estava longe e perto quando Cristo sofreu e morreu, como o testemunho a seguir confirma.

“Naquela densa escuridão ocultava-Se a presença de Deus. Ele faz da escuridão o Seu pavilhão, escondendo assim a Sua glória dos olhos humanos. Deus e os Seus santos anjos estavam ao pé da cruz. O Pai estava com o Seu Filho. A Sua presença, no entanto, não foi revelada. Se a Sua glória tivesse irrompido da nuvem, todo o espectador humano teria sido destruído. E naquela hora tremenda Jesus não devia ser confortado com a presença do Pai. Pisou sozinho o lagar, nenhum dos povos estava com Ele.” O Desejado de Todas as Nações, 818.

Esta separação e presença parece ser contraditória. Por um lado, o pecado que Cristo estava suportando enquanto permanecia no lugar onde o impenitente por fim estará, provocou o afastamento da presença de Deus. Cristo sentiu e testemunhou isto na expressão, “Deus Meu, Deus Meu, por que Me abandonaste?” Foi a Sua natureza humana mortal que transportou o pecado. A Sua natureza divina permanecia pura e sem mancha. Por isso havia um poder repelindo Deus e um que O atraía. Por isso o Pai estava separado da pecaminosa humanidade de Cristo, enquanto estava junto da Sua divindade sem pecado. 

A forma como o Pai Se relacionou com Cristo nesta hora de supremo sofrimento e morte confirma para sempre e veracidade das palavras: “Deus não fica em relação ao pecador como executor da sentença contra a transgressão; mas deixa entregues a si mesmos os que rejeitam a Sua misericórdia, para colherem aquilo que semearam. Cada raio de luz rejeitado, cada advertência desprezada ou desatendida, cada paixão contemporizada, cada transgressão da lei de Deus, é uma semente que é lançada, a qual produz infalível messe.” O Grande Conflito, 33

À medida que o tempo passa, a luz acerca do carácter de Deus aumenta cada vez mais em brilho e fulgor até que a obra estará finalmente terminada. Até agora temos apenas pálidos reflexos da verdade neste maravilhoso assunto. Muito mais está ainda para vir mesmo nesta vida, mas quando os portais do céu forem abertos, então com clara visão, ficaremos extasiados, à medida que brilho crescente do eterno coração do divino amor nos enche com indizível alegria, admiração e

 

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Artigo publicado na revista: The Messenger and News Review, em Dezembro de 1983


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