O EVANGELHO NA PÁSCOA
F. T.
Wright
Este estudo dá uma amplitude adicional ao
significado das palavras de Jesus:
“Se não comerdes a carne do Filho do homem, e
não beberdes o Seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a Minha
carne e bebe o Meu sangue, tem a vida eterna.” E, “As
palavras que Eu vos disse são espírito e vida”. João 6:53, 54, 63,
comparando o simbolismo destas com João 1:14, “O Verbo Se fez carne, e
habitou entre nós, e vimos a Sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio
de graça e verdade.”
O seu objectivo é esclarecer um problema que
confrontámos durante alguns anos e tem a ver com o evangelho conforme está
revelado na Páscoa.
Surgiram alguns argumentos indicando que na
sequência geralmente apontada por nós sobre os acontecimentos durante a Páscoa,
a morte do primogénito parecia ocorrer depois de termos recebido a vida de
Cristo em nós.
Por outras palavras, a sequência que aparece em
livros como O Destino de Um Movimento,
1.Circuncisão
2. Escolha do Cordeiro
3. Morte do Cordeiro
4.Aspersão do sangue nas vergas e umbreiras das
portas
5.Comer a carne do Cordeiro
6. Morte do Primogénito
Sempre temos acreditado desde o início que a
morte do primogénito é o símbolo da morte do nosso velho homem.
Um ou dois crentes discordavam, pois diziam que
a ordem no tempo estava errada porque no evangelho a morte do primogénito tem
que acontecer antes de podermos receber a semente de Jesus Cristo e isso está
correcto.
Tem sido argumentado que aqui as coisas estão
fora de sequência uma vez que o cordeiro que temos ensinado que é o recebimento
da vida de Cristo, o que nos transforma num novo homem e, portanto, devia vir
depois da morte do primogénito e não antes.
Isto, em consequência, trouxe-nos alguma
dificuldade porque a evidência claramente aponta para a morte do primogénito
como símbolo do velho homem. Por isso, de facto tínhamos um problema e o que se
fez, como sempre, foi tranquilamente entregar o problema a Deus e esperar
calmamente até que o Senhor, no Seu tempo oportuno, desse a resposta e de facto
ela veio de maneira tão simples que nos pareceu surpreendente.
Evidentemente, o que nos pareceu surpreendente
foi o facto de termos falhado em ver o óbvio que sempre esteve ali.
Para confirmar isto leiamos Patriarcas e
Profetas, 278, {PP 193.3}, no capítulo “A Páscoa” para ver quão
óbvia é a resposta e o parágrafo que a dá diz assim:
“A carne devia ser comida. Não basta mesmo que
creiamos em Cristo para o perdão dos pecados; devemos pela fé estar recebendo constantemente
força e nutrição espiritual dEle, mediante Sua Palavra. Disse Cristo: ‘Se não
comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o Seu sangue, não tereis
vida em vós mesmos. Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue, tem a vida
eterna.’ E para explicar o que queria dizer, ajuntou: ‘As palavras que Eu vos
disse são espírito e vida’. João 6:53, 54, 63. Jesus aceitou a lei de Seu Pai,
levou a efeito em Sua vida os princípios da mesma, manifestou-lhe o espírito, e
mostrou o seu benéfico poder no coração. Diz João: ‘O Verbo Se fez carne, e
habitou entre nós, e vimos a Sua glória, como a glória do unigênito do Pai,
cheio de graça e verdade’. João 1:14. Os seguidores de Cristo devem ser
participantes de Sua experiência. Devem receber e assimilar a Palavra de Deus
de modo que esta se torne a força impulsora da vida e das ações. Pelo poder de
Cristo devem ser transformados à Sua semelhança, e refletir os atributos
divinos. Devem comer a carne e beber o sangue do Filho do homem, ou não haverá
vida neles. O espírito e a obra de Cristo devem tornar-se o espírito e obra de
Seus discípulos.” {PP 193.3}, Patriarcas e Profetas, 278.
Nós aprendemos anteriormente que há duas formas
de receber a vida de Jesus Cristo.
• Cristo, como dador da vida – Isto fala da
vida que está n’Ele, ou na Sua semente.
• A vida que está na Sua palavra.
Em ambas há vida.
A vida que está na Sua semente é vida e a vida
que está na Sua palavra é vida.
Para desenvolver uma experiência cristã temos
que ter estas duas fontes de vida.
Mas a coisa maravilhosa no serviço da Páscoa é
que não há apenas uma fonte de vida como ensinávamos anteriormente, mas duas.
As duas fontes de vida estão ali simbolizadas na participação da carne e do
sangue do cordeiro.
Leiamos outra vez o parágrafo e ao lê-lo
notemos que a irmã White em primeiro lugar fala do recebimento da vida para
nutrir que está na palavra e na segunda parte ela fala da vida que nos tornará
como Cristo.
Se um homem não regenerado estudar a Palavra de
Deus e recebe a vida que está nessa Palavra ela não o transformará. Tudo o que
ela fará é uma modificada melhoria da velha vida.
Para dar um exemplo disto imaginemos um homem
que tem um cordeiro. O cordeiro, obviamente, é vegetariano.
Desta maneira, o homem alimenta o cordeiro com
milho, trigo, cevada, aveia e alguma erva, mas geralmente falando ambos comem
alimento em comum. Portanto, ambos comem a mesma comida.
Ora, o facto do cordeiro e o dono comerem dos
mesmos alimentos não transforma o cordeiro num homem.
Semelhantemente, a pessoa não regenerada que se
alimenta da Palavra de Deus e tenta chegar por aí à vida eterna não será
transformada pelo estudo da Palavra. Ela ensina-lhe como pode ser transformada
e aprenderá ali que a Palavra por si não a transformará. Aquilo que faz a transformação
é a erradicação do velho homem e a implantação da vida, ou semente de Cristo
nessa pessoa. Isso é o que faz a transformação. É isso que coloca a natureza de
Cristo na pessoa.
Depois disso ter sido feito é preciso alimentar
essa vida. Então a vida – a vida de Cristo – tem que ser alimentada com a vida
que está na Palavra e com isso várias coisas acontecem. A vida contida nesses
nutrientes que servem para desenvolver vida de Cristo em nós servirá também
para transformar o nosso pensamento mais e mais à semelhança da mente de
Cristo, o que mostra que esta dupla provisão de vida – a vida que está no
próprio Cristo e a vida que está na Sua palavra – são necessárias para produzir
um homem completo capaz de chegar ao grande dia do julgamento.
Voltemos a Patriarcas e Profetas, 278,
ao parágrafo em consideração e leiamos de forma mais analítica ponto por ponto
e vejamos como a irmã White lida com estes dois aspectos e mostra como ambos
são simbolizados pelo comer a carne do cordeiro:
“A carne devia ser comida.” [Nesta
pequena frase a irmã White lança a base do parágrafo]. “Não basta mesmo
que creiamos em Cristo para o perdão dos pecados; devemos pela fé estar
recebendo constantemente força e nutrição espiritual dEle, mediante Sua
Palavra.” [Até aqui, nesta frase a qual das provisões está a irmã White
a referir-se?]. Ao recebimento da vida que está n’Ele ou da vida que está
na Sua Palavra?
-À Sua palavra.
“Disse Cristo: ‘Se não comerdes a carne do
Filho do homem, e não beberdes o Seu sangue, não tereis vida em vós mesmos.
Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue, tem a vida eterna.’ E para
explicar o que queria dizer, ajuntou: ‘As palavras que Eu vos disse são
espírito e vida’. João 6:53, 54, 63. [Com que propósito foi a vida na
Palavra dada?]
— Para alimentar.
— Até aqui no parágrafo a que palavra está a
irmã White a falar unicamente?
— À nutrição ou à vida que está na Palavra! “Jesus aceitou a lei
de Seu Pai, levou a efeito em Sua vida os princípios da mesma, manifestou-lhe o
espírito, e mostrou o seu benéfico poder no coração.
— Paramos neste ponto, porque agora vem uma
mudança. “Jesus aceitou a lei de Seu Pai, levou a efeito em Sua vida os
princípios da mesma, manifestou-lhe o espírito, e mostrou o seu benéfico poder
no coração.” [Esta frase faz a mudança]
“Diz João: ‘O Verbo Se fez carne, e habitou
entre nós, e vimos a Sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de
graça e verdade’. João 1:14. — Numa palavra, qual é o assunto deste
texto? “‘O Verbo Se fez carne, e habitou entre nós,’”
– A incarnação.
Como é que a incarnação é realizada? Pelo
estudo da Palavra de Deus ou pela implantação da semente de Cristo? A
incarnação produziu o “Unigénito de Filho de Deus.”
A irmã
White faz aqui uma inflexão. Ela estava a referir-se à vida que serve para
alimentar, mas agora muda o assunto para a vida que gera vida. • De um lado
temos aquilo que simboliza a geração ou criação da vida. • Do outro lado temos
aquilo que simboliza a nutrição e desenvolvimento da vida.
No momento em que o texto fala da incarnação,
ou do momento em Cristo foi gerado e dessa maneira se tornou carne e habitou
entre nós continua dizendo, “Os seguidores de Cristo devem ser participantes
de Sua experiência.”
— A que experiência está o texto a referir-se?
“‘O Verbo Se fez carne, e habitou entre nós,” e
como é que nos tornamos participantes dessa experiência?
Estudando a Palavra de Deus? Ou recebendo a
semente que está em Jesus Cristo?
– Ao recebimento da semente de Cristo. “Devem receber e
assimilar a Palavra de Deus de modo que esta se torne a força impulsora da vida
e das ações. Pelo poder de Cristo devem ser transformados à Sua semelhança, e
refletir os atributos divinos. Devem comer a carne e beber o sangue do Filho do
homem, ou não haverá vida neles. O espírito e a obra de Cristo devem tornar-se
o espírito e obra de Seus discípulos.” {PP 193.3}. Patriarcas e Profetas, 278.
Pode agora ser visto claramente que este parágrafo
ao falar de comer a carne do cordeiro está a apresentar duas aplicações de
“comer a carne do cordeiro”.
• A primeira é o recebimento da vida que se
alimenta pelo estudo da Palavra de Deus.
• A segunda é entrar na experiência de Jesus
Cristo em que Ele Se fez carne, e habitou entre nós.
Essas duas obras estavam simbolizadas por uma
única coisa que era comer o cordeiro nessa noite.
É essencial compreender o serviço da Páscoa.
Agora desaparece todos o problema relativo à
ordem ou sequência de tempo.
Em primeiro lugar olhemos para o elemento do
tempo.
Em que hora do dia foi o cordeiro morto?
Ao entardecer, quando o Sol descia, mataram o
cordeiro da Páscoa.
O cordeiro tinha que ser assado no forno,
inteiro.
Depois de terem matado o cordeiro apanharam o
sangue e saíram para espargir o sangue nas vergas e ombreiras das suas portas,
o que levaria cerca de quinze ou vinte minutos, e regressaram para preparar o
cordeiro para ser assado no forno.
Obviamente o processo para cozinhar o cordeiro
não foi em modernos fornos eléctricos que deixaria a carne assada em pouco
tempo, mas em antigos fornos, como fornos a lenha. O tempo de cozedura levaria
provavelmente duas, três ou mesmo quatro horas até ficar pronto a comer.
Portanto, a hora em que eles comeram o cordeiro
devia ser perto da meia-noite, altura em que o primogénito do Egipto morreu.
Então, podíamos dizer que quando o primogénito
morreu eles estavam a comer o cordeiro um pouco antes do primogénito do Egipto
morrer, durante a sua morte e um pouco tempo depois dele morrer.
Isto que dizer que a acção de comer o cordeiro
coincidiu com o tempo da morte do primogénito do Egipto.
Apliquemos, isto à nossa própria experiência na
obtenção da libertação do pecado.
Antes do nosso primogénito ser morto pelo vivo
poder de Deus temos de nos alimentar da Palavra de Deus. É possível os
incrédulos fazerem isso também. Mesmo antes de nascerdes de novo alimentar-vos
da Palavra de Deus coloca dentro de vós uma certa quantidade de vida.
Por exemplo, se alimentardes um cordeiro com
ervas e milho e cereais é verdade que isso não o transforma, mas coloca nele
alguma quantidade de vida.
O principal benefício antes de nascermos de
novo a ser obtido pelo estudo da Palavra de Deus é alcançar vida na forma de
uma fé crescente. É possível alcançar uma vida de vitória simplesmente deitando
mão à fé?
– Não!
Portanto, tem que haver um crescimento da fé em
nós em resposta ao alimentar na Palavra de Deus e há também o valioso elemento
da aprendizagem nos correctos procedimentos de como fazer as coisas. Então, à
medida que a nossa fé cresce chega ao ponto em que confia na semente de Cristo
e vem a morte do velho homem e mesmo depois de termos recebido a vida de Cristo
tem de haver a continuação do alimento na Palavra para desenvolver e fortalecer
a força que já obtivemos.
Nos anos seguintes até à cruz do Calvário o
povo celebrava a Páscoa, mas nessas subsequentes Páscoas o que é que estava a
faltar?
– A morte do primogénito.
Podíamos dizer que era muito conveniente o
primogénito do Egipto morrer todos os anos a fim de tornar o serviço da Páscoa
completo. Se isso acontecesse seria uma negação do simbolismo que as Páscoas
posteriores tinham. Porque cada Páscoa da qual participaram a partir da
primeira, independentemente do lugar e da situação em que se encontravam depois
da primeira, não envolvia a morte do primogénito, mas o posterior alimento em
Jesus Cristo no símbolo do cordeiro e na demonstração de que apesar de terem
deixado a terra do Egipto, tinham de continuar a alimentar-se em Jesus Cristo
através da Sua Palavra a fim de continuar a desenvolver a vida que haviam
recebido por altura da sua fuga da terra da escravidão.
O simbolismo é absolutamente perfeito e nós
temos sido totalmente recompensados por esperar pacientemente que o Senhor
respondesse a este perturbador problema.
Não é conveniente, nas situações em que não
temos respostas, procurar soluções aqui a acolá, em vez de esperar com
paciência a resposta do Senhor, mas como neste caso as respostas vêm muito
claramente e nós estamos gratos por isso.
Não é raro nas Escrituras haver duas coisas
simbolizadas por uma mesma coisa apesar de serem diferentes.
Temos exemplos disto nas bestas de Daniel e
Apocalipse na quais a Igreja e o Estado são simbolizados numa besta, mas quando
lemos em Apocalipse 17 Deus usa dois símbolos diferentes numa só
ilustração, uma mulher e uma besta para simbolizar as duas coisas que
anteriormente estavam simbolizadas apenas por um símbolo.
Então, quando essas duas coisas são
compreendidas, todos os elementos discordantes desaparecem e o símbolo é visto
de modo perfeito, como é neste caso em particular.
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O
Evangelho na Páscoa é um artigo transcrito de um estudo realizado na
Conferência de Palmwoods – Austrália em 1980, destinado a trazer luz sobre
a linha do tempo e ordem na sequência dos acontecimentos na Páscoa do Egipto,
quando o povo de Israel foi libertado da escravidão egípcia e iniciaram a sua
jornada para a Terra Prometida
Título do texto original do artigo pelo autor F.T. Wright e tradução para a língua portuguesa "O EVANGELHO NA PÁSCOA."
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